Ação na Bolsa e até imigração: Católica aposta em receita para brigar com o Fla

Primeiro, Colo-Colo e Universidad de Chile. Os times de maior torcida no país. Depois, a Universidad Católica. O modelo de ações na Bolsa de Valores chilena virou exemplo de gestão no futebol chileno. A experiência, segundo revela o presidente da Católica, Juan Tagle, salvou os grandes times do país. Graças à mudança na administração, os clubes atraíram novos investidores e puderam até contratar jogadores.

Do alto do 13º do seu escritório “Prieto Abogados”, Tagle, que assumiu a “UC” no ano passado, conta a receita que fez a Católica virar o jogo no Chile, superar os rivais mais fortes economicamente e desafiar gigantes sul-americanos, como o Flamengo. Os times se enfrentam esta noite no San Carlos de Apoquindo.

Confira a entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com.

GloboEsporte.com: No Brasil, clubes que mudaram a gestão tradicional para virarem sociedades anônimas acabaram tornando ao modelo anterior. Como foi no Chile?

Juan Tagle: No Chile funcionava como
ainda é no Brasil até os últimos anos. Todos os clubes eram associações
sem fins lucrativos, com sócios, dirigentes eleitos pelos sócios. Mas todos estavam com muitos problemas econômicos. Somos a terceira equipe em número de
torcedores, atrás de Colo-Colo e Universidad do Chile. Os dois quebraram no meio dos anos 1990. Por que? Porque os dirigentes não eram
responsáveis, não havia informação transparente, série de coisas e isso tudo levou esses dois clubes a quebrarem.
A maneira de sair desta situação de dívida foi indicando acionistas para tomarem
controle do clube. Começou o sistema primeiro nestes dois clubes, com ações na bolsa. Mudou da associação sem fins lucrativos para pessoas
responsáveis que querem o sucesso do time e seu sucesso pessoal.

Na Católica começou quando?

Em 2005 começamos a separar o clube
esportivo, que se mantém, com seus diretores, sócios, e o futebol, que é a única atividade
profissional independente. Se formou uma sociedade anônima, uma empresa, com
sua própria direção e as pessoas investiram para entrar na administração deste
grupo. Existe um contrato de 40 anos de concessão para funcionar no mercado de Bolsa de Valores do país com o nome do clube e todo o futebol
passa pelo conselho diretor. Quando houve a crise do futebol chileno, com todos os clubes praticamente
quebrados, principalmente os dois mais populares, houve um debate político e
econômico para qual solução se buscaria. E a solução principal foi criar uma lei que
permitisse a criação de sociedades anonîmas esportivas, criar um veículo para
que os acionistas coloquem capital, porque nos clubes sem fins lucrativos
isso não era possível.

Houve muita resistência? Clubes de futebol geralmente são muito fechados.
Sim, e ainda há muito. Ainda há setores
da sociedade que se opõem a isso. Dizem “o futebol não é negócio”, “não ao
futebol-empresa, não à sociedade anônima”. Algumas pessoas eram
contra e falavam que isso atenta contra a decência do futebol, contra o
associado do clube. Mas nós buscamos o caminho de ser compatíveis com o caráter social
do futebol e com um modelo de negócios que seja responsável, sério e
profissional. Não negamos a essência social do futebol, como
atividade aberta a comunidade. Mas buscamos um modelo sustentável. Não pretendemos ser
um grande negócio porque o futebol não é um grande negócio. É difícil que um clube, ainda
mais em um país pequeno como o Chile, seja um grande negócio, mas queremos que
seja sustentável.

Os acionistas da “UC” são torcedores da Católica? Os do Colo-Colo são acionistas do Colo-Colo? É assim que funciona ou eu posso comprar ações da “La U” apostando na valorização dessas ações?

De maneira geral os acionistas são, claro, torcedores que querem ajudar, investir em alguma coisa. Aqui temos um caso mais conhecido que é do ex-presidente do Chile Sebastián Piñera. É torcedor da
Católica desde criança. Mas quando se fez a sociedade anônima do Colo-Colo ele
foi um dos principais acionistas. No caso dele foi muito mais motivação política
do que econômica. Colo-Colo é o time mais popular. Foi exposição importante
para ele. Mas todos sabem que ele é torcedor da Católica. Mas o normal é que acionistas do Colo Colo sejam torcedores do
Colo Colo, da “La U” invistam na “La U” e da Católica na Católica.

Até porque os torcedores não investem
com o fim de ganhar dinheiro, de fazer um grande investimento. No Chile, se você quer
fazer grande investimento não vai investir nas ações de um clube de futebol.
Vai investir em bens, em mineração, em energia. No futebol, o que aspiramos é
fazer um negócio sustentável, que se der alguma rentabilidade melhor ainda. A
pessoa que investe não está buscando ganância econômica, está buscando
investir como torcedor.

Quanto valem as ações da Católica?

Nossas ações na bolsa tem valor total de US$ 20 milhões. Creio que a
Universidad de Chile e Colo-Colo estão em torno de US$ 40 a US$ 50 milhões.
Para muitas empresas não são números grandes, são pequenos. Mas o futebol tem
valor agregado muito grande. Eu, como presidente da Católica, sou mais conhecido
que qualquer presidente de empresa gigante no Chile. Para a gente é um erro ver
pessoas que entram no futebol por fim político, para ganhar popularidade. O
importante é como sociedade anônima é manter a vinculação com o clube, com os
torcedores, para que todos se sintam parte do clube.

Ainda há sócios da Católica, como é essa relação?
Sim, temos a figura dos sócios.
Eles participam do clube, tem série de benefícios, descontos, todas atividades
normais. Mas efetivamente não participam do governo do clube. O diretório do
clube é o conselho diretor eleito pelos acionistas. Claro que nem todos estão
de acordo com esse governo, mas é um modelo que funcionou, o futebol cresceu,
as pessoas se sentem responsáveis pelas ações, decisões. Comparado ao que
existia antes, é melhor hoje.

Quantos torcedores têm ação da Católica? Há cota mínima para investir?

Não sei o número exato.
Não há cota mínima. Há muitas pessoas que investem US$ 100. Uma pessoa pode
comprar ação por US$ 0,30. Mas a massa de torcedores em geral não
compra ação. Os acionistas que investem
no nosso clube pensam a longo prazo. Não é ação de muitos movimentos, que você
compra e vende em três dias, como ação de sociedade grande. Há dois
tipos de acionistas. Aquele que quer comprar partes grandes das ações e quer
ter participação no diretório do clube. Temos um diretório com 11 membros e tem
que ter 8% mais ou menos – ou reunir grupo com essa quantidade – se quer ter
cadeira no diretório. Tem também o acionista pequeno, que faz apenas um aporte
ao clube e não tem expectativa de ajudar.

Com esse modelo é possível contratar nomes como Buonanotte e Santiago Silva?

São investimentos
importantes para nós. O futebol chileno em geral tem modelo de formar
jogadores, exportar jogadores e trazer poucas figuras que possam fazer
diferença, como Buonanotte, Santiago Silva. O normal é ter 70% a 80% de
jogadores formados em casa. No caso desses dois (Buonanotte e Santiago Silva) são jogadores livres. Para comprar
um jogador nesse nível não é possível. Não está no nosso alcance gastar US$ 4
milhões, US$ 5 milhões para trazer esses jogadores. Veja o exemplo do Flamengo. Li que eles ganham por direitos
de televisão US$ 60 milhões. Nós, apenas US$ 4 milhões. São mundos distintos,
mas que dentro de campo às vezes a distância diminui. Procuramos ter modelo
responsável, como regra de ser muito responsáveis com investimentos, gastos.
Todos anos colocamos como objetivo ter venda de jogadores. Nossas vendas não
são como um jogador no Brasil, que sai por US$ 9 milhões, US$ 10 milhões. Aqui,
saem por US$ 3 milhões. Foi o caso do Nicolas Castillo, saiu por 3 milhões de
euros para o Pulma do México. Tínhamos 15% dos direitos econômicos dele. É
muito difícil vender por valores muito acima disso. Eles aqui não saem do Chile
para o Real Madri, saem para Argentina, Brasil, México ou clube menor na
Europa.

Você tem salário como presidente do clube e representante dos acionistas?
Não tenho salário como
presidente. Em alguns casos, porém, existe. No Colo-Colo o presidente tem salário. “La U”
não tem. Isso estamos discutindo se deve haver aqui também. Com salário você pode democratizar a presidência, porque senão só pode ser
presidente quem tem muito patrimônio. Porque como sociedade anônima
cada um é pessoalmente responsável. Eu poderia ser retirado pelos acionistas se
amanhã comprar alguém e o clube quebrar. Eu respondo com meu patrimônio. Tenho
que ser muito responsável, meu patrimônio está em jogo.

Já houve divisão de dividendos dos valores do clube na Bolsa?
Não houve repartição de
dividendos até hoje. As pessoas fazem investimento, deixam o investimento por um tempo. É
um modelo a longo prazo muito mais para ajudar o clube, não com fim econômico.

Como explica o bicampeonato no Chile contra times mais fortes economicamente?

Que bom que o futebol é
assim. Temos menor capacidade de investimento em relação a nossos rivais. E
veja o exemplo do Brasil. O Flamengo não é campeão nacional desde 2009! Não éramos
campeões desde 2010, fomos vice-campeões algumas vezes e voltamos a vencer
agora. Confiamos que trabalho a longo prazo, com boa base de times formados em
casa, é o modelo que nos permite competir de igual para igual. Tenho melhor
investimento, melhor base, somos mais respeitosos no processo – nosso treinador
não é demitido depois de quatro partidas. É a receita de administração
profissional, muito séria. Somos o primeiro clube a ter um gerente esportivo,
que é nosso ex-goleiro argentino Tati Buljubasich, mas com poder realmente. Ele
está desde 2010 com a gente. Somos mais estáveis nesse sentido.

Vi no CT da Católica jogadores brasileiros e outros sul-americanos na base. A Católica tem algum programa para receber esses atletas jovens de outros países?

É um tema que vai além do
futebol. É uma transformação na sociedade chilena. Muita chegada de pessoas do
Peru, Equador, Colômbia, Cuba… Mas sim, estamos atentos que sabemos que isso
é também material com potencial para o futebol. Chile é um país que não tem
originalmente pessoas de raça negra. É um tipo físico muitas vezes diferente,
mais fortes. Isso pode significar bastante êxito. Na seleção sub-17 há um jogador
nosso, um ponta direita que é filho de cubano. O melhor jogador da seleção.
Estamos buscando esses jogadores, mas é difícil trazer jogador menor de idade,
porque há regras da Fifa. Mas aproveitamos sim esse crescimento de imigração do
Chile para tentar gerar frutos no futebol.

Por fim, muitos torcedores
da Católica com quem conversei falaram sobre o sonho de um dia Conca jogar de
novo aqui. É um sonho possível? Os acionistas não podem colocar um pouco mais
de dinheiro por isso (risos)?

(Risos) Não sei quanto ele
ganha no Flamengo, mas é um dos futebolistas mais bem pagos do mundo. Pelo
menos era assim na China. Ele deixou muito boa recordação e em pouco tempo. Mas
foi campeão em 2005. Chegou muito jovem. Existe essa expectativa. Quem sabe
algum dia podemos realizar esse investimento.

UNIVERSIDAD CATÓLICA X FLAMENGO
Data: quarta-feira, às 21h45 (de Brasília)
Local: San Carlos Apoquindo, Santiago
Flamengo: Muralha, Pará, Réver, Rafael Vaz e Trauco; Romulo, Willian Arão e Diego; Berrío (Gabriel); Everton e Guerrero
Universidad Católica: Toselli Espinoza, Kuscevic, Lanaro, Parot, Fuentes, Kalinski Fuenzalida, Buonanotte, Noir e Santiago Silva
Árbitro: Diego Haro (PER) auxiliado por Coty Herrera (PER) e Jorge Luis Yupanqui (PER)

Fonte: http://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2017/03/acao-na-bolsa-e-ate-imigracao-catolica-aposta-em-receita-para-brigar-com-o-fla.html

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