O que é a lógica, em clássicos, senão algo para ser colocado em xeque? O embate entre rivais viscerais propicia enredos inesperados, até saborosos, que vão além de qualquer sina recente, como os 17 jogos de invencibilidade do Flamengo sobre o Vasco. O ponto final foi dado nesta quinta-feira, no Maracanã, com a vitória cruz-maltina por 3 a 1, pela nona rodada do Carioca.

A superioridade técnica e financeira do Flamengo é tanta de uns tempos para cá que, talvez, pudesse parecer que aquele 4 a 4 no Brasileirão de 2019 seria a melhor atuação possível do Vasco, em anos, diante do rival.

O momento de reconstrução na temporada de retorno à Série B traz preocupação, mas foi um dia de orgulho. O Flamengo, na prática, pode até estar em outro patamar, mas do outro lado havia um rival que, organizado, fez jus às décadas de embates históricos entre as duas camisas. Não por acaso Morato, na comemoração do terceiro gol, mexeu com a memória afetiva do vascaíno ao repetir a comemoração de Edmundo na goleada sobre o Flamengo pelo Brasileirão de 1997.

Cirúrgico e, fora de campo, indignado com o adiamento da partida em um dia, o Vasco fez o Flamengo cair do salto. Foi algo parecido, em maior escala de gols, com o que o Cruzeiro fez com o Atlético-MG, domingo, pelo Mineiro. A tal da lógica do mais rico não prevaleceu.

Ainda que perder não altere o destino do Flamengo no estadual, pois a vaga na semifinal está assegurada, o resultado é um alerta barulhento para Rogério Ceni e seus comandados. Foi o último teste do time titular antes da estreia na Libertadores, terça-feira, contra o Vélez Sarsfield, na Argentina.

— A Libertadores é outro torneio, e teremos 100% de concentração — retrucou Diego Ribas, ao fim do jogo.

Para completar, algo cheira mal na relação do clube com Arrascaeta. A informação oficial é que ele não jogou por um incômodo no tornozelo direito, detectado após a Supercopa. Mas há um ruído por conta da exigência do jogador e seu empresário, o ex-atacante uruguaio Daniel Fonseca, de uma renovação contratual.

Sem Arrascaeta, tão importante na conquista frente ao Palmeiras, domingo, o Flamengo se dissolveu. Rogério Ceni chacoalhou as peças do dominó, apostou em João Gomes e o time, embora dominante na posse de bola, travou.

Everton Ribeiro, na esquerda e na direita, não rendeu. Gerson foi adiantado, por vezes deslocado para a faixa esquerda do campo e tampouco teve bons momentos. Na defesa, já sem Rodrigo Caio — suspenso da estreia na Libertadores e, por isso, poupado —, Bruno Viana e Arão expuseram a dificuldade de um setor que adiciona falta de entrosamento à improvisação.

O Vasco aproveitou. O primeiro gol veio logo aos seis minutos, após cabeçada de Léo Matos. Eis a primeira falha defensiva: ele conseguiu se desvencilhar de Filipe Luís e subiu mais que Bruno Viana.

A partir desse lance que pareceu fortuito, uma bola aérea, o técnico Marcelo Cabo passou a exibir seu repertório no comando do time. Aliada à falta de inspiração do adversário, a estratégia do Vasco foi um sucesso. Léo Matos merece mais elogios, nesse contexto, pela eficiência na marcação de Bruno Henrique.

O primeiro tempo ganhou ares de perfeição para o Vasco quando Cano, enfim, marcou seu primeiro gol em clássicos contra o Fla. Eis o segundo erro defensivo do Flamengo: diante do passe nas costas de Bruno Viana, Willian Arão não acompanhou a infiltração do atacante argentino. Fatal. O domínio e o giro foram a ornamentação da ocasião. Uma tacada de gênio de um frequentador do campo de golfe olímpico da Barra. A comemoração prova isso.

O Flamengo melhorou quando Vitinho entrou, mas o Vasco manteve o nível de concentração alto. Tanto que Morato fez o terceiro, deixando a atuação do time ainda mais fora da curva. Vitinho descontou já nos acréscimos.

Gabigol passou a reta final do segundo tempo trocando provocações à distância com pessoas ligadas à diretoria vascaína que estavam na arquibancada. O atacante respondeu à zoeira com um sinal de dois (segunda divisão). O fôlego que o Vasco ganha no estadual, de certa forma, pode ajudar a mudar uma futura resposta de Gabigol.

—Nosso objetivo é no final do ano, com o acesso — disse Morato.