Arthur Muhlenberg: “Justiça Selvagem”

O Flamengo voltou da parada da Copa do Mundo como se tivesse voltado dos históricos 3 dias de paz, música e chapação em Woodstock. Voltou meio aéreo, repensando vários conceitos, buscando formas alternativas de abordagem aos problemas criados pela sociedade de consumo. Em outras palavras, voltou da Copa sem saber bem o que fazer da vida.

Na quarta-feira já dava pra suspeitar, mas a atuação do Flamengo no sábado durante a protocolar vitória sobre o Foguinho confirmou que aquele Flamengo voador que pintou em alguns jogos da primeira dúzia de rodadas do Brasileiro não existe mais. Como qualquer equipe que perde um jogador fora-de-série o Flamengo sem Vinícius Jr deu uma piorada. E agora precisa se adaptar ao que tem no elenco, uma adaptação que pode demorar mais do que a duração de uma copinha do mundo. Esse é outro Flamengo, em construção, que se move em outro ritmo e ainda não empolga. Mas continua na liderança, ainda que a distância pros pangarés que nos seguem tenha diminuído perigosamente.

Mesmo protocolares e previsíveis os 3 pontos arrancados dos chorororenses foram importantes à beça. Principalmente pro Barbieri, que ganhou aí uns 3 ou 4 dias sem que se discuta a sua capacidade para ocupar um dos cargos mais importantes do país. Se a sua entrada no segundo tempo contra o São Paulo já tinha provocado bolação e vaias generalizadas, quando anunciaram a escalação de sábado com Matheus Sávio de titular vagabundo quis morrer, houve até quem decretasse que o Flamengo estava abrindo mão do Brasileiro. Na verdade Barbieri estava sendo pragmático, decidiu começar com Matheus Sávio pra neutralizar a possibilidade de Matheus Sávio entrar durante a partida e ser novamente vaiado. Sagaz o Barbieri.

Como nunca critiquei esse valoroso rapaz posso falar com tranquilidade que, por excesso de zelo, vagabundo exagera na perseguição. Sei que Matheus Sávio não goza de muita popularidade entre nossos esclarecidos e tolerantes apoiadores por eventos ocorridos no funesto 17 de maio de 2017 no Nuevo Gasómetro, em Buenos Aires, eventos que mandaram nossos sonhos continentais parala casa del carajo. Ora, foi a 13ª visita dos sonhos rubro-negros ao insalubre destino dos desclassificados, não foi nenhumplot twisto desfecho daquela Liberta. A antipatia que Matheus Sávio angariou é desproporcional ao dano causado, é um erro de endereçamento, a maior parte dela pertence por direito ao Zé Ricardo.

O Barbieri, como é um estudioso, devia conhecer todo esse histórico e sabia perfeitamente o peso de sua aparentemente tresloucada e suicida decisão. E mesmo com 4 filhos pra criar Barbieri encontrou coragem pra escalar os jogadores que ele achava melhor, contrariando a sabedoria popular e as vontades da torcida, se arriscando a ser chamado de Bolsonaro, isto é, autoritário, antidemocrático e burro. Arriscou e se deu bem, porque Matheus Sávio em 2 lances quase consecutivos promoveu a incineração instantânea de quase 40 milhões de línguas. Quem não sentia o calor na boca estava de queixo caído com o que acontecia no gramado. Francis Bacon, fundamental ingrediente na junk food mundial, dizia que a vingança é uma espécie de justiça selvagem. É também através das vinganças que o futebol vai criando suas mitologias. A vingança de Matheus Sávio pode não ter sido justa ou selvagem, mas foi lindamente vingativa.

Fez logo um golaço com sambada na frente do beque e um chute daquele tipo “relaxa goleiro, tô só cruzando” cheio de curva que foi parar na gaveta do Jefferson, no lance seguinte colocou uma bola precisa na zona do agrião, causando tumulto e correria entre atarantados chorororenses, o que permitiu a chegada viril e decidida de Paquetá, que mandou bola pro barbante e Jefferson pra enfermaria. Uma pena pro simpático goleiro, mas não houve violência ou maldade de Paquetá, o futebol é um esporte de contato. O fato é que em menos de 10 minutos Matheus Sávio foi de calouro buzinado à astro pop e o 2 x 0 reluzindo no placar do Maracanã deu aquela tranquilidade pra torcida curtir o resto do classiquinho em paz.

O problema é que não foi só a torcida que se tranquilizou, o Flamengo também tirou o pé. Parecia a Flalemanha em Belo Horizonte, só que muito mais modesta, os alemão tiraram o pé quando já tinham mandado 7 coco no balaio do Júlio César, o Flamengo se contentou com um 2x0rinho sem vergonha insuficiente até para reconquistar a condição de melhor ataque da competição. Claro que o Foguinho percebeu essa injustificada acomodação do Flamengo e deu uma apertada, conseguindo, sem muita dificuldade, embarreirar nossa saída de bola e perturbar nosso goleiro várias vezes. Foi preocupante.

O Flamengo segurou a pressão dos caras, mas pouco apresentou além de fazer o relógio correr, não se jogando ao solo e interrompendo o jogo como desavergonhadamente fez a bambizada na rodada anterior, mas exibindo uma certa indolência e aquele ar de satisfação com o resultado obtido. Revoltante essa tranquilidade, a torcida só pode se acalmar quando tem certeza que o time está nervoso. E jogando bem. O Matheus Sávio brilhou, mas é um coadjuvante, pro time jogar bem as estrelas tem que brilhar, claro que falo de Diego, Paquetá e até do Guerrero, que não parece estar muito a fim de bola. Não chuta uma no gol. Uribe, que jogou fora de posição, ainda está usando o crédito do seu voucher de recém-chegado. Mas essa moleza vai acabar, colombiano, melhor se ligar no serviço.

É claro que estamos satisfeitos com a vitória, mas vejam bem que o Foguinho não é parâmetro, é ocupante habitual daquela zona anódina da tabela de classificação em que se disputa o discutível privilégio de não ser rebaixado e nem jogar sul-americanas. Ainda por cima os sem-ônibus começaram o jogo mais perdidos que filho das companheiras prostitutas em Dia dos Pais. E com toda essa fragilidade diante de si e um retrospecto de copiosa freguesia por trás o futebol que o Flamengo tinha pra mostrar depois dos 10 avassaladores minutos iniciais foi tão medíocre quanto o do Botafogo. Poderia ter sido uma goleada histórica, o Foguinho tava pedindo uma coça, mas acabou sendo uma apresentação nada memorável de um time que vai precisar provar novamente que não é um dos favoritos ao título só porque nosso fechamento na CBF nos garante uma tabela mais fácil do que a dos outros 19 clubes.

Se Barbieri deu sorte com as suas escolhas também deixou evidente quanto trabalho ainda há pra ser feito nesse novo Flamengo. Então que dê um tempo nos estudos e trabalhe, de preferência sem dar ouvidos pras nossas cornetadas ignorantes, mas ao mesmo tempo sem se aferrar demais às suas convicções. Sei que é difícil, mas se fosse um trabalho fácil o salário seria bem menor. É óbvio que tem muito o que melhorar, o que o Flamengo tem jogado não é futebol de campeão. Mas por outro lado uma das mais poderosas e irritantes características dos times campeões é a capacidade de ganhar jogos mesmo quando joga mal. Jogar mal não é proibido, desde que não se torne um hábito.

Mal ou bem, semo o líder e o Hepta nunca esteve tão próximo. Vamo ver como Barbieri vai se sair na quarta. Sem pressão, mas ganhar dos times do Jair Ventura Freguesão é obrigação.

Mengão Sempre

Reprodução: Arthur Muhlenberg/ República Paz e Amor

Fonte: http://colunadoflamengo.com/2018/07/arthur-muhlenberg-justica-selvagem/

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