Coluna do Torcedor: “O caso Mancuello e o problema morfológico do futebol moderno”

Permitam-me começar o texto com um análogo; daqueles que explicitam até melhor o problema quanto uma demonstração literal desse. Muito frequentemente, amantes da língua portuguesa nos atentam para o fato de nossa língua ser a única a ter uma palavra capaz de expressar o sentimento de falta de algo ou alguém – essa, chama-se saudade.

Uma tradução desta para outra língua resultaria na substituição por termos adaptados e imprecisos e por fim, numa comunicação débil.

Depois dessa chata porém oportuna explicação, passemos ao futebol. Muito tem se discutido em relação a posição (e função) de Mancuello e acredito que todas as conclusões até agora explicitadas estão erradas e explicarei porque.

Mancuello no início de sua carreira chegou a jogar de lateral-esquerdo porém depois de algum tempo de maturação, firmou-se na posição de “Engante pela Isquierda“. Como vocês já perceberam, essa posição não existe no futebol brasileiro, assim como a palavra saudade (com mesmo sentido) não existe em outras línguas. Essa é a primeira parte do análogo – a segunda é: assim como a tradução da palavra saudade resultará numa distorção do sentido pretendido, isso também aconteceria e deveria de ser previsto na contratação de Mancuello.

E é com muita dor que eu chego a seguinte conclusão: ou o gringo se adapta ou não vai dar certo! Porém é preciso fazer uma ressalva aqui: essa adaptação não é daquelas que os “entendidos” de futebol pregam quando um jogador estrangeiro chega e não dá certo.

Eles usam esse termo viciadamente de maneira macaqueada por incapacidade de diagnosticar a real origem do problema. É uma adaptação morfológica, uma revisão de seu posicionamento e posição e para isso é necessário a consciência de dois problemas (o que acredito estar bem longe da capacidade intelectual de qualquer um dos dirigentes ou integrantes da comissão técnica)

P primeiro, a necessidade da adaptação morfológica e segundo, o problema morfológico do futebol moderno.

Este, acredito, renderia páginas de livros e farei uma breve explicação do problema que encontrei nos esquemas táticos mundo à fora. Faz-se necessário primeiro, discriminar a diferença de posição e função. Posição é o nome genérico dado para designar a faixa de campo na qual um jogador deve atuar usualmente. Função é o papel designado a um jogador por seu técnico e independe de sua posição. Ex.: A posição de zagueiro atua geralmente nas grande áreas defensivas porém certo zagueiro pode ter função de rebatedor e outro de antecipar, um pode encarregar-se da saída de bola, outro da sobra. Porém o problema morfológico do futebol moderno não está nas posições centrais, e sim nos flancos. Já não existe mais diferença de posição entre meia-esquerda ou ponta-esquerda, de meia-direita ou pontas-direitas, o que existe é uma diferença de função.

Um meia tem como função incentivar a troca de passes e fechar para o meio e o ponta, incentivar a verticalidade e ir ao fundo porém ambos ocupam a mesma posição: o flanco, seja canhoto, seja destro. Se pegarmos o gráfico de calor de um dito meia-esquerda e um dito ponta-esquerda, de certo serão (ou deveriam) ser semelhantes. No que isso implica?

Além de infindáveis, insolúveis e infinitas discussões, resultam em problemas de inteligibilidade do jogador (que fica sempre na dúvida se é um ou outro, o que está acontecendo no exato momento com Mancuello) e utilizações erradas e em vão por parte dos técnicos. A minha sugestão é: devemos extinguir a atual terminologia. A diferença entre “ponta” e “meia” já não existe e substituiríamos esses termos por um único, algo como “corredor direito” ou “corredor esquerdo” (um péssimo exemplo pois não sou criativo com nomes).

Dito tudo isso, acredito que Mancuello deveria de atuar pela esquerda num 4-3-3 com a função de aproximar-se da área e incentivar toques curtos e objetivos (com obrigações defensivas, é claro).

Fernando René


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Fonte: http://colunadoflamengo.com/2016/12/coluna-do-torcedor-o-caso-mancuello-e-o-problema-morfologico-do-futebol-moderno/

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