Festa na favela, no asfalto e em todos os cantos do Brasil

Não é novidade para ninguém que a Nação, no alto de seus 40 milhões de torcedores apaixonados, é a maior torcida do mundo. E não prima apenas pela quantidade: a incansável massa vermelha e preta lota aeroportos, estádios, ginásios e praças públicas para gritar a todos a alegria de ser rubro-negro. Maior que muito país, nela cabe gente de todo tipo: ricos, pobres, brancos, negros, índios, homens, mulheres, crianças, do prédio de luxo à comunidade mais carente, da cidade grande aos cantinhos mais inóspitos do Brasil. Para ser integrante só é necessária uma condição: amar o Flamengo. E tem coisa mais fácil?

O jornalista rubro-negro Mário Filho, que dá nome ao Maracanã, explicou bem: “Por que o Flamengo tornou-se o clube mais amado do Brasil? Porque o Flamengo se deixa amar à vontade”. Todos são bem vindos no nosso carnaval. Talvez por isso, dizia o irmão de Mário, Nelson Rodrigues, que todos os brasileiros, por pelo menos um dia na vida, já foram rubro-negros. É de fato irresistível se curvar à mística apaixonante do Mengo.

O surgimento da Nação
Em 1933, José Bastos Padilha assumia a presidência do Clube de Regatas do Flamengo com o “simples” intuito de tornar o Mais Querido o maior do mundo. Ainda muito jovem, Padilha saiu de casa devido a conflitos familiares e começou a trabalhar como entregador de folhetos de propaganda de estabelecimentos comerciais. O garoto tomou interesse pela área e acabou se tornando referência em publicidade e marketing, em uma época que sequer existiam essas denominações. Anos mais tarde, já estabelecido profissionalmente, o publicitário, apaixonado pelo Flamengo e pelo Brasil, decidiu se candidatar à presidência do clube. Eleito, foi o responsável por organizar um concurso nas escolas do Rio de Janeiro para que os alunos criassem frases louvando o Rubro-Negro – entre elas, a consagrada “uma vez Flamengo, Flamengo até morrer” que, mais tarde, veio a fazer parte do hino popular do clube. Padilha também se tornou responsável por reverter a distribuição das torcidas, não só no Rio de Janeiro, como em todo o Brasil, alavancando o Flamengo com atitudes inovadoras em termos de gestão esportiva para época, atrelando isso diretamente à sua profissão.

Em 1934, o presidente rubro-negro construiu a sede da Gávea, aumentou o número de sócios e a receita do clube, contratou atletas negros, na época raros nos times, os maiores jogadores da Seleção Brasileira da época – Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, e Domingos da Guia -, elaborou campanhas publicitárias e articulou a aproximação da imprensa esportiva da época. Padilha passou a tratar o Clube de Regatas do Flamengo como uma Nação, com suas próprias características, seu próprio temperamento e suas próprias motivações. Indo ainda mais além, ele foi responsável por tonar o clube um verdadeiro representante da brasilidade popular.

Portas abertas e animação de sobra
A acessibilidade do clube nas primeiras décadas de existência serviu de chamariz a todas as classes sociais: em tempos em que os rivais serviam coqueteis refinados apenas aos mais abastados da sociedade carioca, o Flamengo comemorava suas conquistas com carnaval na rua. O mesmo Mário Filho contou que as festas regadas a chope e ao som do reco-reco na antiga sede da Praia do Flamengo, cheia de atletas jovens e festeiros, fosse do remo ou do futebol, ganharam fama na cidade – e se para as elites eram mal faladas, para os menos abastados eram uma oportunidade de se juntar ao bloco rubro-negro que saia do Largo do Machado. O primeiro estádio, na Rua Paissandu, em terreno emprestado pela família Guinle, também permitiu contato próximo dos integrantes do Flamengo com os cariocas, o que não acontecia com os outros clubes. O Fluminense, por exemplo, comemorava seus triunfos nos luxuosos salões das Laranjeiras e treinava em espaço reservado.

Nas ondas do rádio
Capital do país até 1961, o Rio de Janeiro tinha os jogos de seus times de futebol transmitidos para todo o Brasil na Era de Ouro do rádio, nas décadas de 1930 e 1940. Nestes anos, o ilustre e inesquecível locutor rubro-negro Ary Barroso soprava sua gaita e fazia muita festa nos gols narrados por ele na Rádio Nacional. Também é de autoria do gênio a alcunha de “mais querido do Brasil”. Não só o Flamengo, como os outros grandes clubes do Rio, ganharam aí muitos torcedores nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – mas o irreverente e acessível Rubro-Negro conquistou a maior parte dos fãs de futebol.

Apoteose na arquibancada
Em 1942, a primeira torcida organizada do futebol brasileiro levou o carnaval para dentro do estádio. Embalados pelas marchinhas da Charanga Rubro-Negra, os torcedores do Flamengo se refestelavam na arquibancada, deixavam de lado os trajes sociais e passavam a vestir camisas como a do time, até então de uso exclusivo dos atletas.

Pioneira e especialista, a Nação Rubro-Negra foi tombada como Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro e ganhou uma data para chamar de sua, 28 de outubro, Dia do Flamenguista, em 2007. Até hoje, ganha com sobras dos rivais em todas as camadas etárias e sociais da população brasileira, que ainda não conseguiu responder à pergunta que não quer calar: que torcida é essa?

Fonte: http://www.flamengo.com.br/site/noticia/detalhe/24417/festa-na-favela-no-asfalto-e-em-todos-os-cantos-do-brasil

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