As condições, a conjuntura, em especial a econômica, ainda estão postas para o Flamengo seguir candidato a todos os títulos que disputar no Brasil e na América, mesmo que a eliminação de ontem represente um abalo nas finanças. Mas algo está claro: é difícil ser superclube nesta região do mundo.

Seja porque a Europa segue sendo atraente e sempre há o risco de que alguém vital em seu projeto saia: em geral é um jovem, mas também pode ser um treinador experimentado, um zagueiro que saiu melhor do que a encomenda ou um lateral já veterano.

Ou porque aqui ainda se gerencia o posto de treinador de forma peculiar, da escolha à demissão, a ponto de se disputar um mata-mata de Libertadores com um técnico há 20 dias no cargo. Em anos de exceção, funciona. Mas não é regra. O fato é que este era um ano anunciado como um voo de cruzeiro para o Flamengo: após ganhar tudo em 2019, o rubro-negro chegaria a 2020 com base mantida e reforços contratados. Terminou se revelando uma temporada acidentada demais, o oposto do roteiro traçado. Até a pandemia teve seu papel, assim como o calendário insano que dela se originou. E nele, ainda resta ao Flamengo a disputa do título Brasileiro, o que não é pouca coisa, afinal.

Mas projetos de dominação continental como o traçado pelo Flamengo também exigem paciência. Porque o futebol é um jogo traiçoeiro como só ele. Isto também ficou claro ontem, no 1 a 1 com o Racing, seguido de derrota por 5 a 3 nos pênaltis e eliminação na Libertadores. Por vezes não basta controlar 60 minutos de um jogo, produzir mais do que o suficiente para vencer. Em um instante, as circunstâncias escapam, o enredo se altera drasticamente. Por vezes, o herói da sobrevivência com um gol no último suspiro pode errar sua cobrança de pênalti. Futebol é uma complexa mistura de elementos que se tenta controlar, como projetos, contextos ou processos para construir time; mas também de circunstâncias, por vezes até de acasos. O jogo não se permite ser controlado o tempo todo.

Em campo, este Flamengo que ainda inicia um novo trabalho, se viu diante de um Racing disposto a marcar bem mais atrás do que de costume e apostar no contragolpe. Diante de uma defesa fechada, o Flamengo tinha volume, controle da posse, mas até o intervalo não criou tanto em jogadas construídas.

Até soube achar caminhos. Pela esquerda, Arrascaeta trocava a lateral do campo pelo centro, permitindo a Bruno Henrique fazer a diagonal rumo ao fundo do campo. A ideia era aproveitar o fato de o Racing marcar com perseguições longas. O ala Domínguez ia atrás de Arrascaeta e abria o espaço. Como no lance em que Bruno cruzou, Everton Ribeiro cabeceou e a zaga aliviou o perigo. Havia espaço também entre as linhas dos argentinos, mas o Flamengo errava muito o último passe, era impreciso.

Aliás, tão traiçoeiro é o jogo que os argentinos, após uma rara jogada ofensiva, cederam ao Flamengo a melhor chance num contragolpe, em bola preciosa de Arrascaeta para Vitinho chutar fora.

Se construindo jogadas não era tão criativo, o Flamengo conseguiu ameaçar muito numa bola aérea em que Bruno Henrique errou o chute final ou numa pressão de saída de bola, quando Vitinho esbarrou no goleiro.

Mas veio o segundo tempo com um destes enredos típicos do futebol. De volta ao time após lesões, Rodrigo Caio errou o tempo de bola num desarme e levou o segundo cartão amarelo. Na sequência, imediatamente, uma bola na área desvia em Gustavo Henrique e se oferece par ao gol de Sigali.

Um instante antes, o cenário exibia um Flamengo que controlava, era seguro até na tão contestada defesa e, se não era avassalador, criava o bastante num jogo em que até o 0 a 0 lhe servia. Após o gol, era um time desesperado atrás do empate e sem Arrascaeta, que Rogério escolheu sacrificar para colocar João Gomes e recompor a defesa recuando Willian Arão.

Mas ao sofrer o gol, Ceni surpreendeu de novo. Não pelo jogo, mas por característica. Everton Ribeiro vinha mal, mas sua saída para a entrada de Pedro deixou o time sem seus criadores. A decisão será contestada, mas também é fato que o Flamengo manteve o volume e a pressão no Racing.

O time argentino ignorou sua vantagem numérica, encerrou-se atrás e jamais reteve a bola. O Flamengo a retomava rapidamente, mas se limitava a cruzamentos. Em dois deles, Árias fez ótimas defesas. No último, aos 47, Arão fez o gol.

Mas futebol é traiçoeiro mesmo. Foi Arão, o autor do gol que permitiu ao Flamengo sobreviver, o autor da cobrança ruim que decidiu a disputa por pênaltis.

Não é simples ser um “Superclube das Américas”.