Há cerca de um mês, enquanto dava entrevista à Espn Brasil, Miguel Angel Ramirez foi surpreendido por uma mensagem em vídeo gravada pelo lateral-esquerdo Filipe Luís, do Flamengo. O depoimento era repleto de elogios ao espanhol de apenas 35 anos, treinador do Independiente del Valle, adversário desta quinta-feira do Flamengo em Quito, às 21h (de Brasília).

— Eu e alguns companheiros concordamos em uma coisa: o seu time foi o que mais nos criou problemas, mais incômodos nos deixou. Foram os jogos em que mais nos custou gerar jogo. Em nenhum momento nos sentimos superiores — disse Filipe em parte do vídeo.

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A mensagem indica que, apesar da clara superioridade individual, espera o Flamengo na altitude de Quito um desafio respeitável. Ainda mais levando-se em conta que Filipe Luís se referia aos dois encontros de fevereiro entre rubro-negros e equatorianos, pela Recopa Sul-Americana, quando ainda estava em cena o Flamengo de Jorge Jesus, um time mais consolidado e de rendimento superior à equipe que ainda tenta assimilar o estilo de Domènec Torrent. Os placares dos dois jogos, um 2 a 2 no Equador e uma vitória no Rio por 3 a 0 com um jogador a menos durante 70 minutos, até sugerem o oposto. Mas o empate de Quito, traz alguns alertas para hoje.

O Flamengo permitiu 16 finalizações ao Del Valle. Em toda a passagem de 56 jogos de Jorge Jesus pelo Flamengo, só quatro vezes o time permitiu mais de 16 chutes aos rivais. E duas destas ocasiões foram fora da curva: o jogo com o Liverpool, que durou 120 minutos, e a partida com o Santos, quando um um Flamengo desmobilizado levou 4 a 0.

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O Del Valle gosta da posse de bola e, em Quito, permitiu que o Flamengo a tivesse somente por 44% do tempo. No Maracanã, o número caiu a 32%, mas influenciado pela expulsão de Willian Arão logo aos 23 minutos. Mas os dois jogos estão entre as quatro partidas da “Era Jesus” em que o Flamengo teve menos posse.

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É curioso que o duelo de espanhóis num torneio sul-americano irá reunir dois adeptos do chamado Jogo de Posição. Ramírez talvez seja, neste momento, mais ortodoxo do que Torrent na tentativa de fazer cada jogador ocupar uma zona específica do campo ao atacar e tentar superar com passes, uma a uma, cada linha de marcação rival — ainda que por vezes busque passes longos para seus pontas, sempre abertos. O tempo joga a favor dele: dirige o Del Valle há 16 meses, enquanto Domènec está há 37 dias no Flamengo.

Mas apesar do domínio na posse, os dois confrontos deixaram clara a maior capacidade de decisão das individualidades do Flamengo. Neste ponto, a diferença é nítida.

Para o jogo de hoje, lições importantes de fevereiro podem servir. O time de Jesus procurava pressionar os rivais na saída de bola para jogar sempre no campo ofensivo. Mas conforme o jogo transcorria no Equador, a qualidade da pressão do Flamengo foi piorando e o time deixou grandes espaços entre seus meio-campistas e seus defensores. Efeito dos 2.850 metros acima do nível do mar. Hoje, Domènec fará seu primeiro jogo na altitude.

O que cria um dilema. Ele não tem feito o Flamengo pressionar sempre no campo de ataque. Mas o Del Valle é um time programado para construir jogadas desde os defensores e buscar sempre passes em progressão até o gol. Deixar os defensores rivais muito à vontade pode fazer o Del Valle se sentir confortável e levar o jogo para o campo de defesa do Flamengo. Restariam os contra-ataques — e o Del Valle cede tais espaços. O rubro-negro fez bem este tipo de jogo contra o Santos na Vila Belmiro.

Mas defender a área na altitude pode gerar situações difíceis, em especial porque a menor resistência do ar faz a bola “variar”em chutes de fora da área. Sem falar na perda do tempo de bola de defensores em cruzamentos.

Outra alternativa é Torrent insistir na manutenção da posse, evitando que o time corra atrás do rival.

Em um aspecto o Del Valle não deve muito ao Flamengo: ritmo de jogo. Desde a pandemia, o time fez nove partidas oficiais, com seis vitórias e três empates. É líder do Equatoriano.