A eliminação do Benfica na Liga dos Campeões, terça-feira, em Tessalônica, virou tragédia grega. E o segundo ato em Portugal não é menos dramático. Contratado por um presidente candidato à reeleição, Luís Filipe Vieira — acusado pelo Ministério Público (MP) de recebimento indevido de vantagem —, o ex-treinador do Flamengo tem trabalho em dobro: é dele a responsabilidade de recuperar a taça nacional e amenizar os danos à imagem de um clube que orgulha ser do povo, mas que é intimamente ligado à elite dos poderes político, econômico e jurídico. A estreia foi com goleada sobre o Famalicão por 5 a 1.

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O Benfica é notícia em todos os canais de TV, mas por motivos pouco nobres. Presidente desde 2003, Vieira coleciona títulos e denúncias de suspeita de corrupção. A Polícia Judiciária chegou a fazer buscas no Estádio da Luz. Jesus teria salvado o setembro de Vieira, ao menos em campo, se a queda prematura na Champions não houvesse ampliado a ferida aberta quando perdeu o último campeonato nacional para o Porto.

— O Benfica deveria ter vencido. A estrutura acreditou que a máquina estava azeitada o suficiente para asfixiar um Porto em dificuldades financeiras. O sentimento de vazio ficou na torcida. Quase humilhação. E o Benfica vai para a eleição com a imagem do presidente desgastada. Trazer o técnico do Flamengo foi como que falar grosso e apostar num projeto ganhador — disse Luís Garcia, biógrafo de Jesus.

Dinheiro para contratar — somente a comissão técnica custaria €12 milhões anuais (R$ 76 milhões )— foi a solução encontrada para tentar recuperar a hegemonia, a imagem da diretoria e pavimentar o caminho à reeleição de Vieira. Mas a saída da principal competição europeia e a perda da premiação milionária, de aproximadamente €40 milhões, virou argumento para a oposição. Candidatos veem na desclassificação, sem sequer ir à fase de grupos, um indício da má aplicação dos €80 milhões em reforços (cerca de meio bilhão de reais). Uma situação agravada pela temida metamorfose do Benfica, bicampeão da Liga dos Campeões nos anos 1960, em clube europeu de segunda linha.

Acusações em série

A torcida ainda discutia o apagão do time na Grécia enquanto outra sombra encobria o Estádio da Luz. Vieira foi acusado pelo MP de recebimento indevido de vantagem no âmbito da Operação Lex, que investiga ligações de um desembargador com dirigentes e empresários. Vieira é suspeito de ter pressionado o juiz Rui Rangel a favorecê-lo em um processo fiscal no Tribunal de Sintra em troca de cargo remunerado e privilégios. Em nota, Vieira nega as acusações e disse que “não subornou nem corrompeu ninguém”.

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Paralelo ao andamento da Lex, o hacker Rui Pinto, que divulgou os e-mails conhecidos como Football Leaks, implicou Vieira em um alegado caso de corrupção no Brasil, segundo o “Observador”. Pinto começou a ser julgado este mês e, em depoimento ao MP, teria revelado pagamento de subornos para viabilizar a construção de um complexo hoteleiro no Recife. A obra foi uma parceria do Grupo Promovalor, de Vieira, com a Odebrecht. A empresa teria causado rombo milionário a um banco, do qual é a principal devedora.

Mesmo debaixo desta névoa, Vieira e o Benfica, com seus 4,5 milhões de torcedores – quase a metade da população de Portugal –, são ímãs para parte da classe política portuguesa, que não é presença rara no Estádio da Luz. Um blog retirado do ar revelou, a partir de e-mails, que chefes de gabinetes de ministros e funcionários de tribunais teriam recebido ingressos para jogos.

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Do primeiro-ministro António Costa aos três primeiros colocados nas pesquisas para a presidência – o atual presidente Marcelo Rebelo de Souza, Ana Gomes e André Ventura –, todos tiveram o Benfica como tema central de suas reuniões ou entrevistas esta semana.

— O que está acontecendo neste momento eu chamo de futebolítica. O futebol arrasta as massas e a elite precisa desta porta aberta. Há três pilares em Portugal: a igreja, o Avante (festa do Partido Comunista) e o Benfica. Temos mais jornais de esportes que políticos. É uma mistura que toca a todos — diz o sociólogo José Adelino Maltez.

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No centro de uma polêmica ao aceitar entrar na lista de honra dos apoiadores à reeleição de Vieira, António Costa recebeu uma advertência do presidente Rebelo, foi amplamente criticado e promoveu uma remodelação do secretariado do governo durante o “puxão de orelhas”. Sem voltar atrás e retirar o apoio, foi o próprio Vieira que cortou o nome de Costa e demais titulares de cargos públicos, como o prefeito de Lisboa, Fernando Medina.

Fonte do Benfica ouvida pelo GLOBO garantiu que Vieira divulgará em breve uma lista com 60 nomes de jogadores e ex-jogadores que o apoiam. Fora da Liga dos Campeões, o clube, que teve lucro de € 41,7 milhões (R$ 266 milhões) em 2019/2020, ouvirá Jesus e iniciará uma avaliação do elenco, vendendo jogadores. A mesma fonte informou que os processos do presidente recebem tratamento à parte dentro do clube e que, para isto, foi contratada uma equipe jurídica externa.