O Brasil é fanático por julgar treinadores. De preferência, com a maior pressa possível. O problema é que as condições em que se faz futebol por aqui, do calendário às constantes mudanças de comando, dão às avaliações a firmeza de um prédio construído sobre areia movediça. Renato Gaúcho, figura capaz de despertar amor e rejeição em medidas semelhantes, é o personagem da vez.

A passagem de Renato pelo Grêmio fazia dele um técnico intrigante. Porque a forma como o jogo fluía durante cerca de duas temporadas tornara o time vistoso e ganhador. Mas o modelo não combinava com trabalhos anteriores de Renato, tampouco fora reproduzido nos últimos dois anos dele lá.

Desta forma, a passagem pelo Flamengo soava reveladora. Renato estaria fora do ambiente em que detinha a chave do vestiário, em que era estátua e ídolo intocável. Após a precipitada demissão de Rogério Ceni, encontrou um time com identidade clara e um elenco de primeira linha. E com o benefício de receber de volta jogadores de que Ceni não dispôs em seu último mês de trabalho, justamente quando sua posição no clube se enfraqueceu.

Vieram goleadas seguidas, passagens encantadoras de futebol mesmo em jogos nem sempre controlados ou brilhantes do início ao fim. Agora, vêm os questionamentos pela má qualidade do jogo e pelos resultados instáveis que coincidem, de novo, com as ausências de muitos jogadores importantes. Tudo isso em apenas três meses.

Renato, um ótimo gestor de grupo, aposta numa liberdade de movimentação dos homens de frente, numa boa dose de intuição de seus principais jogadores para se associarem. O que não significa negar seus méritos. Mas o pobre futebol rubro-negro do último Fla-Flu termina por reforçar a sensação de que, quando mudam os nomes, quando se perde o “jogar de memória” de uma base junta há três anos, surge a dificuldade de construir mecanismos ofensivos. Parece uma avaliação criteriosa, uma cobrança justa num elenco de nível tão alto. Mas aí é preciso ponderar o “Fator Brasil”.

É raro submeter nossos técnicos a condições próximas do ideal. O que turva a avaliação. No Fla, Renato foi alçado à condição de alguém que revolucionou um time já vencedor, com doses de exagero que continham resultadismo e falta de olhar para o contexto: justamente a volta de jogadores supertalentosos que andavam ausentes por causa dos jogos de seleções. Agora, o “Fator Brasil” também precisa ser usado a favor dele.

Não é possível ficar imune a tantas ausências de tamanha qualidade. E se o Flamengo “fabricou” algumas lesões, o louco calendário e a falta de respeito às Datas Fifa têm parcela importante nos desfalques. Para completar, Renato tem só três meses de clube, com muitos jogos e nem tantos treinos. Seria possível fazer todo o elenco, inclusive os reservas, jogarem à imagem e semelhança da formação principal? Não é simples responder, e este é um grande problema. O futebol brasileiro é uma corrida de obstáculos que turva o poder de análise: não se sabe onde termina a responsabilidade do técnico e onde começam o imediatismo e a estrutura torta do nosso jogo. Calendário racional e tempo não são garantias de sucesso, mas premissas para separar o joio do trigo. Vereditos apressados e posições extremadas não costumam ser o melhor caminho.

Mas se o mundo ideal soa distante, por ora é preciso pensar no real. Nele, Renato e o Flamengo entram numa fase decisiva. Será preciso encontrar melhores soluções, especialmente na criação. Ou, então, apostar na recuperação dos titulares e, com ela, na volta da memória de um time multicampeão.