Poucas tarefas são mais difíceis no futebol atual do que furar uma defesa fechada. Seja porque os sistemas se sofisticaram, seja porque os espaços são cada vez mais reduzidos. A rodada do Brasileiro viu os dois candidatos ao título, submetidos ao mesmo desafio, falharem na missão.

A derrota do Atlético-MG em Goiânia e o empate do Flamengo com o Cuiabá refletem a dificuldade inerente ao jogo, mas também questões mal resolvidas nos dois times. Por boa parte da temporada, a equipe de Cuca se caracterizou por um ataque que produzia melhor quando tinha espaço para acelerar do que diante de defesas montadas. No Flamengo, Renato Gaúcho tem trabalho mais curto, mas não é a primeira vez que o time trava diante de um rival fechado, especialmente quando os desfalques tiram do time o entrosamento de uma base que joga junta há três anos.

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Historicamente, o Brasil rotulou como organizadas as equipes que defendem bem, em parte por um senso comum de que os talentos poderiam resolver questões ofensivas. Em recente palestra, Jorge Jesus disse entender que o principal legado de seu trabalho no Flamengo de 2019 e 2020 fora dar aos jogadores a capacidade de “jogar sem bola”. Imediatamente, foi feita uma associação com tarefas defensivas. No entanto, como observou o comentarista Alexandre Lozetti, Jesus talvez se referisse aos movimentos dos jogadores que não têm a bola no momento em que o time ataca. Era um traço de seu trabalho.

O Flamengo de Renato e o Atlético-MG de Cuca têm um ponto em comum: meias e atacantes com uma grande liberdade. A questão é o limite entre esta liberdade e a coordenação de movimentos num jogo que tem espaço para a sensibilidade dos jogadores ditar soluções, mas que por vezes pede ações coordenadas para criar espaços. O caso é que Flamengo e Atlético-MG, embora tenham claras virtudes, por vezes transmitem a sensação de um trabalho ofensivo muito intuitivo. No rubro-negro, quando os titulares estão em campo, ainda há o bônus de uma equipe entrosada, com uma memória de jogo.

O Cuiabá tratou de fechar o centro do campo, bloquear a entrada da área. Induzia o Flamengo a buscar os lados. O rubro-negro caiu na armadilha e fez 46 cruzamentos para a área. No jogo com o Juventude, em que abriu o placar cedo e desmontou a estratégia do rival, o Flamengo cruzou só dez vezes. Outro indicador importante é o produto final da posse de bola: o time ficou 69% do tempo com a bola, mas gerou apenas 12 finalizações. Somadas, elas produziram um índice de gols esperados, o chamado Xg, de apenas 0,9 — a métrica avalia a situação em que cada finalização ocorreu para medir a probabilidade de que resultem em gols. Em Goiânia, o Atlético-MG produziu 21 finalizações, mas com um Xg de apenas 1,14.

Marcação do Cuiabá no ataque do Flamengo Foto: Editoria de arte

Os desfalques pesaram no Maracanã. É possível falar de Pedro, mas a ausência de Bruno Henrique foi ainda mais evidente. É habitual a movimentação de Gabigol para o lado direito do ataque. De lá, parte em diagonal para o centro, de modo a facilitar o uso da perna esquerda e cruzar para a segunda trave, buscando um Bruno Henrique especialista em atacar a área (como mostra a 1ª imagem ao lado). Ontem, mesmo sem o companheiro, e também sem Pedro, a jogada se repetiu pelo menos três vezes no primeiro tempo. Com uma área desocupada, o alvo dos cruzamentos foi Michael, que não tem a mesma imposição.

No próximo fim de semana, talvez o cenário se repita. O Flamengo enfrenta o Fluminense, cujo bloqueio não venceu no primeiro turno — acabou derrotado no fim do jogo. Já o Atlético-MG terá pela frente o mesmo Cuiabá. Os dois melhores times do país estarão, outra vez, em busca de soluções.

A cultura do caos

Há duas semanas, um dirigente do Flamengo usou as redes para se queixar da escalação de árbitros mineiros. Ontem, o Atlético-MG emitiu nota em que pedia que seus jogos não fossem dirigidos por cariocas. Não se engane. Não há um só movimento de clubes e cartolas para melhorar a arbitragem. O objetivo é cultivar um terreno propício à pressão em busca do benefício próprio. Ainda que o preço seja desacreditar pessoas e o campeonato.

A boa notícia tricolor

Onze duelos ganhos, 97% de acerto nos passes, 11 recuperações de bola, além de seis interceptações de passe. Os números são do volante André (foto), do Fluminense, na vitória sobre o Athletico, em que o tricolor voltou a ter atuação abaixo do desejável. Mas numa temporada de oscilações, o jovem de 20 anos é uma das melhores notícias do clube. Une vigor, noção de espaço para proteger a frente da área, e um bom passe para iniciar jogadas.

As alternativas de Abel

Contra o Bahia, Felipe Melo se colocava entre os zagueiros na saída de bola. Já os laterais Gabriel Menino e Jorge se posicionavam como meias. Diante do Internacional, os laterais foram Marcos Rocha e Piquerez, que jogavam abertos enquanto os pontas fechavam. Rival do Flamengo na final da Libertadores, o Palmeiras vive uma crise de desempenho e confiança. E, em meio ao cenário, Abel Ferreira vem tentando criar alternativas.