O programa de candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da República não tinha um item dedicado ao esporte — ou uma linha, uma menção. Desde o início era impossível saber qual o projeto do presidente para a área. Eleito, logo tirou da pasta o status de ministério. Transformada em secretaria e inicialmente entregue a militares, é hoje comandada por um padrinho de casamento de Flávio Bolsonaro. Mas a principal iniciativa esportiva do governo não saiu de lá.

A medida provisória 984 foi enviada ao Congresso pelo próprio presidente, em 18 de junho de 2020, quando clubes e federações ainda estavam envolvidos nas discussões sobre a volta do futebol, após parada causada pela pandemia. Bem recebida por alguns cartolas, a “MP do mandante” causou confusão na reta final dos Estaduais, especialmente o Carioca, antes de caducar no Congresso.

Bolsonaro não anunciou nenhuma nova medida sobre o assunto. Em temas relacionados ao esporte, seu governo tentou promover, sem sucesso, a volta do público aos estádios; cortou um ano de depósitos do programa Bolsa Atleta; e celebrou uma vitória diplomática com a diminuição da pena de Robson Oliveira, ex-motorista do jogador Fernando, preso na Rússia — o Itamaraty entrou no caso atendendo a um pedido de outro jogador, Felipe Mello.

Bolsonaro fez pouco pelo esporte, mas jamais menosprezou seu poder simbólico. Uma de suas falas mais famosas, na qual chamou a Covid-19 de gripezinha, mencionava seu histórico de atleta. Já apareceu vestindo camisas de clubes em muitas fotos e lives na rede social, como aquela em que anunciou que seu governo não usaria a “vacina chinesa do João Doria” — republicada à exaustão no dia em que fez exatamente o contrário. Frequentou a tribuna de alguns jogos, e a um deles levou Sérgio Moro, que se mostrou tão desconfortável no estádio quanto no ministério. Levantou a taça de campeão paulista, oferecida por dirigentes e jogadores do Palmeiras, que diz ser seu time do coração, no Allianz Parque, e provavelmente fará o mesmo com a Libertadores no Maracanã (Santos, outro finalista, recebeu-o recentemente com homenagens na Vila Belmiro).

Esse histórico do atleta Bolsonaro faz com que a visita ao treino do Flamengo — cuja diretoria o apoiou nas iniciativas da MP 984 e da volta do público — esteja longe de ser uma surpresa, especialmente no dia em que o Datafolha constatou mais uma baixa no índice de popularidade do presidente, em meio às trapalhadas na gestão da vacinação.

Agora cabe aos jogadores que posaram para as fotos, que o próprio clube preferiu não divulgar mas foram amplamente utilizadas pela comunicação do Planalto, a explicação: estavam ali obrigados, foram fazer uma gentileza ou são apoiadores? E por que ninguém usava máscara? São perguntas que os jornalistas devem fazer, se o microfone for passado a eles na próxima coletiva.

No mais, pena que o presidente não pôde encontrar o time feminino. Seria uma boa oportunidade de explicar às jogadoras o que pensa da modalidade. Afinal, num Enem campeão em desigualdade, o que o incomodou foi uma pergunta sobre Marta.

Continua impossível saber o projeto do governo para o esporte. Mas o que Bolsonaro quer do esporte já está claro. Com a palavra, os verdadeiros atletas.