Ontem à noite tomei uma decisão intempestiva: resolvi assistir presencialmente ao jogo entre Manchester United e Liverpool, o maior clássico do futebol inglês. A partida será neste domingo, depois de amanhã, pela nona rodada da Premier League. Consegui achar um ingresso num site de revenda por R$ 1.700. Reservei um voo Rio-Manchester-Rio, com escalas em Paris tanto na ida quanto na volta, por R$ 6.400. Foi difícil encontrar um hotel perto de Old Trafford, quase todos estão ocupados. Tive que me contentar com um três estrelas mal avaliado, a um quilômetro e meio do estádio, que cobra R$ 1.800 por duas noites — a ideia é chegar no sábado, ver o jogo no domingo, voltar na segunda. Antes de chegar nos inevitáveis custos com alimentação, deslocamentos e outros gastos eventuais, a conta já estava em R$ 9.900. Por motivos óbvios, o plano foi abandonado.

Gustavo Poli:Notícia de 2032

Ainda assim, sai mais barato ver Salah x Cristiano Ronaldo na Inglaterra (e comprando tudo na véspera) do que ver dois times brasileiros jogarem no Uruguai daqui a um mês. O exemplo caricato, meio tolo até, serve para mostrar como estão descolados da realidade todos os envolvidos na organização, promoção e comercialização da decisão da Copa Libertadores, entre Flamengo a Palmeiras, a ser disputada no dia 27 de novembro em Montevidéu. Quem esperou a definição dos times finalistas para tentar comprar passagens e arranjar hospedagem está sendo extorquido por companhias aéreas (de vários países) e hotéis uruguaios. Não há voos do Rio para a capital uruguaia por menos de R$ 8.100. Desde São Paulo, são ainda mais caros. Abundam os relatos de hotéis e proprietários de imóveis que cancelaram reservas previamente feitas para depois oferecê-las por preços multiplicados.

Marcelo Barreto:O futebol é um poderoso instrumento de construção de memória

Nesta semana a Conmebol deu mais um golpe no bolso de quem pretende ver a final da Libertadores, ao anunciar o preço das entradas: US$ 200 o mais barato, US$ 300 o seguinte, daí para US$ 500. A crueldade seguinte é um presente do governo brasileiro. Desde a última terça-feira, quando os valores foram anunciados, o dólar não parou de subir em relação ao real — e tudo indica que vai continuar subindo até que as entradas sejam vendidas. Para todo mundo que não tem dólares escondidos em uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas vai ficar cada vez mais cara a brincadeira de presenciar o jogo entre Flamengo e Palmeiras num país vizinho ao Brasil.

Rodrigo Capelo:O começo do fim dos Estaduais

A escalada dos preços de tudo relacionado a este jogo dominou o noticiário nos últimos dias e ressuscitou críticas contra a Conmebol por ter mudado o formato da final da Libertadores. A decisão com jogo único estreou em 2019, e foi um sucesso do ponto de vista comercial: brasileiros e argentinos invadiram pacificamente Lima, a partida foi transmitida para quase 200 países, patrocinadores investiram pesado e a premiação para os clubes aumentou. Mas os ingressos mais baratos há dois anos custaram US$ 80 e um dólar valia R$ 4,20. A paixão pelo futebol justifica tudo e o Estádio Centenario provavelmente vai lotar. Mas a voracidade por dinheiro pode ser um tiro no pé do futebol desta parte do mundo, que precisa lidar com a concorrência do futebol europeu na TV. Agora ficou mais barato ir até lá.