Querida Chapecoense

Particularmente, trato a morte de uma maneira um pouco prática. Auto proteção, instinto, não sei explicar. Tragédias acontecem, é verdade. Algumas marcam, outras acabam doendo muito e de verdade.

Confesso que apesar das tristezas e reflexões que as tragédias causam, só costumamos sentir a porrada quando a mão do invisível nos atinge em cheio. Ídolos, entes queridos ou qualquer pessoa que nos dê a sensação de proximidade.

Para os que gostam, para os que acompanham, para os que respiram futebol, nada será como antes. Tenho minha paixão, meu time de coração, tenho minha pele em vermelho e preto, mas para qualquer um que se enquadre nesse perfil, o dia amanheceu triste e sem cor. De todas as coisas sem importância no mundo, o futebol é, de longe, a mais importante de todas elas.

De tempos em tempos, o futebol nos traz gratas surpresas e alguns times que por uma série de fatores, surgem e ganham respeito, admiração ou simpatia dos demais torcedores. O América, para os torcedores do Rio, é um exemplo disso. Aclamado por muitos como o segundo time de todo torcedor carioca.

Assim era a Chapecoense. Melhor dizendo, assim é a Chapecoense, a Chape. Ganhou respeito, admiração e, especialmente nesse ano, a simpatia e torcida de milhões de torcedores em todo o Brasil. Das brincadeiras com as goleadas em clubes já tradicionais ao bordão adaptado de Zé Roberto, eu dizia aos amigos: a Chape é GIGANTE!

Lamentei não poderem jogar a final na Arena Condá. Clube inovador num futebol que vive do amadorismo, mereciam a final em sua casa e o título. Torci para que Curitiba fosse a sede do jogo que seria histórico. Avisei amigos que iria, dividi a alegria com alguns que sempre sorriam com simpatia. Gostar da Chape nunca foi traição às próprias cores.

Na sexta, um amigo disse que queria vir. Incentivei e não mais falamos sobre isso. Hoje, o luto. Dessas histórias inacreditáveis. Roteiros como o de hoje me fazem perder um tanto a crença em um propósito para as coisas. Karma, escrita, destino ou coisas assim saltam pela janela quando penso na crueldade do roteiro. Quem poderia escrever história com tamanha injustiça?

Na minha coluna de domingo, citei o Dener Assunção como um dos possíveis reforços. Alguns jogadores já haviam vestido vermelho e preto. Cleber Santana nos ajudou muito e roeu o osso nos livrando da degola no zoneado Flamengo em 2012. Caio Junior, Marcelo, Arthur Maia e Mario Sérgio, já comentarista foram os outros, mas a questão não repousa apenas sobre eles.

Formado em sua maioria por jogadores jovens e nem tão conhecidos, muitos buscavam uma vitória de filme da Sessão da Tarde. Um conto de fadas incrível para um país que ama futebol onde 8 ou 9 em cada dez garotos sonham com a glória em um tapete verde.

Muitos tinham suas justas valorizações profissionais e seguiam dando o seu melhor e flertando com aquele primeiro contrato que torna o jogador de futebol um jogador de futebol, como dos sonhos.

Carregados nos braços de uma cidade, incentivados pelo Brasil, iam fazendo história. A deles, da cidade, da Chape e também escrevendo suas belas linhas no futebol brasileiro. Como uma simpática surpresa.

A Chapecoense aprendia e ensinava. Sem rebaixamentos, caminhando com brio e responsabilidade. Se consolidava na série A sem sustos e com um projeto de brilhar os olhos.

Na busca por uma estrela no escudo, se perderam no céu. O título… pouco importa, mas pra nós e até para o Atlético Nacional, é deles. É justo, é lindo, é merecido. Nunca foi só futebol.Confesso que preferia que vocês tivessem o conquistado sem tragédia. O título, na verdade, era mera formalidade. Vocês já tinham feito história.

Um amigo lembrou da frase que vinha no uniforme da Chape deste ano. O fardamento dizia: Somos mais que onze! São MUITO mais, Chape! SOMOS MUITO mais!

Que a Chape consiga superar, que nossos Clubes e nosso Flamengo sejam grandes e honestos como foi o Atlético Nacional.

Vão em Paz, Campeões. Hoje, o meu vermelho e preto é todo verde.

Na verdade, eu só queria acordar e descobrir que foi só um pesadelo. O futebol continuaria a sorrir… Nós também!

Thigu Soares
Twitter: @thigusoares

Fonte: http://colunadoflamengo.com/2016/11/querida-chapecoense/

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