Romário em Vermelho e Preto

A maioria dos jogadores evita declarar o time do coração, que pode ser o de infância ou aquele cuja identificação e lembranças foram mais significativas ao longo da carreira.

Também conhecido como o “Gênio da Grande Área” e “Herói do Tetra”, Romário tenta, de uma forma ou de outra, se enquadrar nessa maioria, seja porque jogou por clubes de imensa rivalidade no Rio de Janeiro, seja por, hoje, ser um político com eleitores de vários clubes.

Revelado para o futebol em agremiação rival, o Baixinho Romário, com seu futebol rápido, técnico e ousado, ganhou títulos estaduais e colecionou artilharias antes de se transferir para o Futebol Europeu, no qual teve brilho intenso no holandês PSV e no catalão Barcelona, ganhando o título de melhor jogador do planeta em 1994, mesmo ano que foi protagonista da conquista da Copa do Mundo pelo Brasil.

Após uma operação ousada do então Presidente Kléber Leite, com o apoio de várias empresas, o Tetracampeão e Número 1 chegou ao Mengão em janeiro de 1995, provocando a antecipação do Carnaval no Rio de Janeiro, com desfile triunfal em caminhão do Corpo de Bombeiros. Houve um verdadeiro e inédito arrastão de rubro-negros no trajeto até a Gávea, o qual incluiu o Centro e a Orla Carioca. Até hoje, esta é considerada a maior apresentação de um jogador em um clube brasileiro.

Logo na chegada, o Baixinho, mesmo ainda não declaradamente rubro-negro, pediu que os vascaínos levassem lenços para o primeiro Clássico dos Milhões, pois ele os faria “chorar muito”. Promessa feita e cumprida em 07/05/95, não sem antes, mesmo com um time que não era equilibrado em todos os setores, ser decisivo na final da Taça Guanabara, em 23/03/95. Jogando com uma tipoia, o Baixinho anotou três gols na fantástica vitória sobre o Botafogo, que viria a ser Campeão Brasileiro.

No mesmo ano, também sob a liderança de Romário, o Flamengo ficou por um triz de faturar a Supercopa dos Campões da Libertadores, após derrota de 2 a 0 para o Independiente-ARG, no jogo de ida (caldeirão da Avellaneda), e vitória de 1 a 0, na pressão total, em um Maracanã com mais de 100 mil flamenguistas, os quais, mesmo sem o título, ovacionaram efusivamente todos os jogadores, em especial seu novo ídolo. Naquela ocasião, o Baixinho declarou-se profundamente tocado pela mística rubro-negra e pelo caráter da torcida.

Em 1996, um inspirado Romário foi o protagonista máximo da conquista do Campeonato Carioca invicto pelo Mengão, com 26 tentos na artilharia e comemorações escrachadas sobre todos os rivais nas comemorações dos clássicos vencidos. Naquele ano, o Baixinho já tinha abandonado eventuais dúvidas e pudores, declarando-se um rubro-negro apaixonado de forma repetida e em vários veículos de mídia.

Antes do término do Carioca daquele ano, Romário e Flamengo receberam uma proposta irrecusável do espanhol Valência. Momentos após a conquista antecipada do título estadual, consolidado com um empate sem gols contra o Vasco na final da Taça Rio, no dia 30 de junho, o Baixinho (de visual barbado) que era, até então, tido como um craque de moderadas demonstrações emotivas, foi carregado em ombros rubro-negros, envolvido em uma enorme bandeira do Mengão, até as arquibancadas do Maracanã, onde chorou copiosamente sob os gritos de “Fica, Romário”.

Infelizmente, não foi possível manter o Baixinho, partindo o coração da Nação, pois o salário oferecido era o mais alto do Mundo à época e o Flamengo já sentia os contundentes efeitos de reiteradas más-gestões financeiras, tendo sido acordado o retorno do craque para o badalado Futebol Espanhol no final de julho. Antes disso, contra o Grêmio, em 12/07/96, ao ser entrevistado, antes do apito inicial, sobre o sentimento de despedir-se do Flamengo e de sua torcida, o Baixinho, que já havia prometido voltar, mal conseguiu terminar de responder ao repórter, tomado por forte emoção, provavelmente antevendo a saudade que sentiria.

Marcou dois gols naquele dia, contra os gaúchos, e mais um, na semana seguinte, contra o São Paulo, pela Copa dos Campeões Mundiais. Foi para Valência e, poucos meses depois, o Baixinho já forçava a barra para retornar ao Futebol Brasileiro e, em especial, para o Flamengo, o que se consumou em janeiro de 1997. Fez muitos gols no Mengão até maio daquele ano, quando voltou a ser convocado para a Seleção Brasileira visando à disputa do Torneio da França e da Copa América. Despediu-se, novamente, para outro semestre no Valência, após fazer três gols (incluindo um de falta) sobre o Goiás, em uma partida do Campeonato Brasileiro, em 16/07/1997.

No Valência, o técnico Cláudio Ranieri não simpatizou com Romário e este logo voltou a manifestar desejo de retornar ao seu amado Rio de Janeiro. Eurico Miranda, que nunca deixou de ser amigo do artilheiro, insistia para que ele voltasse para o Vasco, mas Romário se recusava terminantemente a ouvir qualquer proposta do rival. Amizade à parte, a preferência de Romário era claramente vestir o Manto Sagrado e fazer crescer a idolatria que a Nação por ele já detinha.

Assim, retornou ao Brasil no início de 1998, com a corda toda, fazendo gols pelo Flamengo e pela Seleção Brasileira. Porém, no dia 06 de maio, começou o maior drama de sua carreira, ao sentir o músculo da coxa em um jogo contra a Friburguense, pelo Campeonato Carioca, 35 dias antes da estreia brasileira na Copa do Mundo. Mesmo contundido, Romário foi convocado para ser tratado durante o período de concentração, mas acabou cortado precipitadamente depois de poucas semanas, com explicações desencontradas da Comissão Técnica, levando-o a crer, erroneamente, que Zico, então coordenador técnico, teria sido o responsável pela dispensa.

O malfadado episódio, além de dramático, foi ruim para a Seleção Brasileira, que perdeu a final (12/07) após estranha convulsão de Ronaldo, o qual jogou cambaleante, inclusive por não haver um jogador de seu quilate disponível. Romário, cortado, voltou ao Brasil para se tratar no Flamengo, abraçado pela torcida, tendo retornado aos gramados em 05/07/1998. Deixou seu gol em empate contra o Internacional, no estádio Beira Rio.

Superado o trauma, por mais um ano e meio, Romário defendeu o Manto Sagrado com irreverência, honra e identificação. Participou, com liderança e seus habituais gols, das brilhantes conquistas do Campeonato Carioca e da Copa Mercosul de 1999 (equivalente à atual Sul-Americana). Foi neste ano, aliás, que Romário aplicou o desconcertante elástico no combativo volante Amaral, fazendo um gol antológico contra o Corinthians.

Mesmo sendo um goleador de estilo clássico, o Baixinho assimilou a mística de raça que envolve o Flamengo, não tendo sido raros os momentos em que chamava a responsabilidade para si, comprava brigas e até dava carrinhos.

Deixou o Flamengo, a contragosto, depois de 240 partidas e 204 gols (terceiro maior artilheiro da história), em novembro de 1999, sob a justificativa de Gilmar Rinaldi, então Gerente de Futebol do Clube, de ter sido encontrado com outros jogadores em uma balada na cidade de Caxias do Sul, horas depois de o time não ter se classificado para a fase final do Campeonato Brasileiro (derrota para o Juventude).

Revoltado com a Diretoria do Flamengo, mas apaixonado pela vida carioca, Romário optou por retornar ao Vasco, de seu amigo Eurico Miranda, onde continuou mostrando suas preferências, ao não comemorar gols contra o Mengão e criticar, em 2001, a forma de torcer dos vascaínos, mesma oportunidade em que, fazendo o contraponto, exaltou as qualidades da torcida rubro-negra.

Em outubro de 2005, depois de uma vitória cruzmaltina que aumentou as chances de rebaixamento rubro-negro, Romário declarou, diante de vários repórteres, que o Flamengo era muito grande e que não cairia. Eurico Miranda, constrangido e preocupado com novos elogios, interrompeu imediatamente a coletiva de imprensa.

O Baixinho jogou também no Fluminense e teve rápidas passagens no Miami FC e no australiano Adelaide, encerrando sua carreira em 2007 após ter alcançado a incrível marca de 1000 gols. Em novembro de 2009, Romário jogou o segundo tempo de uma partida na qual o simpático América-RJ, time do coração de seu pai Edevair, conquistou a Série B do Campeonato Carioca. Chegou a ser cogitado um jogo de despedida no qual Romário jogasse pelo menos um dos tempos com a camisa do Flamengo, mas a ideia infelizmente não vingou.

O tempo passou, Romário chegou a ir ao Maracanã para torcer pelo Flamengo e declarou, em abril de 2008, quando concedeu entrevista ao RJTV (Rede Globo), que a torcida do Clube “é de outro planeta”. Muitos que conhecem e conheceram Romário de perto afirmam que ele se tornou fã eterno da mística vermelha e preta. Gostaria de ter ficado mais tempo e conquistado mais títulos pelo Mengão. Ele se ressente. Nós também.

O destino não quis e alguns dirigentes não deixaram que essa história tivesse outros capítulos arrebatadores, mas foi uma honra ver Romário, o maior atacante que vi jogar, vestir o Manto Vermelho e Preto, se apaixonar pela torcida e honrar as tradições do Clube. Uma vez Flamengo, sempre Flamengo!

Fonte: http://colunadoflamengo.com/2017/02/romario-em-vermelho-e-preto/

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