Torcedores do Flamengo discutem se vídeo de campanha incita violência

Um torcedor do Flamengo com a mão direita coberta por uma tinta vermelha em um ambiente escuro, sombrio. Em seguida, surgem rostos de outros torcedores. Mãos apertam corações cenográficos, que sangram. Algumas imagens do título mundial de 1981 aparecem. E a tinta vermelha cobre uma imagem do planeta pouco antes do mesmo torcedor do início do filme enfiar a boca na tinta e se lambuzar com ela. Este filme de 81 segundos, lançado no último dia 15 de março, faz parte da campanha “Isso aqui é Flamengo!” para a campanha de sócio-torcedor.

O objetivo do filme é mexer com o emocional do torcedor e despertar o amor incondicional dele pelo clube, afirma o vice de marketing do Flamengo, Daniel Orlean. Pelos comentários nas redes sociais do clube, o trabalho recebeu muitos elogios, mas há quem veja uma incitação à violência na maneira de explorar esse sentimento no torcedor, ainda mais no momento em que o assunto volta à pauta, devido à recente divulgação das imagens de prisões de integrantes da Torcida Jovem do Flamengo depois do assassinato do botafoguense Diego dos Santos, ocorrido em 12 de fevereiro. Tudo isso levanta discussões sobre a estética da produção e o timing da exibição.

As contrárias se tornaram bastante enfáticas, como a do comediante rubro-negro Claudio Manoel, do Casseta & Planeta, que escreveu ontem no Facebook:

– Além do ufanismo meio babaca e metido a machinho, a “peça” tem uma óbvia associação de futebol/torcida com raiva/violência, não só no tom e conteúdo do texto, como em várias imagens de gosto e conceito pra lá de duvidosos, mostrando um coração sendo esmagado, um líquido vermelho que faz alusão a sangue e o slogan escrito em chamas com também simbologia óbvia. Acho que orgulho e paixão são uma coisa, raiva e testosterona descontrolada, outra. A campanha visa encher os estádios com famílias ou hooligans?

O sociólogo Maurício Murad, que estuda a violência das torcidas há quase 30 anos, estava assistindo ao clássico Flamengo e Vasco, no último domingo, quando viu a campanha pela primeira vez. Para ele, o futebol representa a festa, a cultura, algo que une as pessoas, o que o leva a discordar da abordagem do vídeo:

– O filme é todo sombrio, com uma batida de tambor, sangue… Passa a impressão de que o futebol é uma batalha, uma guerra. O Flamengo é um clube com uma grande penetração em todas as camadas da sociedade, é capaz de unir pessoas de diferentes culturas, classes sociais. Ou seja, uma propaganda do Flamengo tem um público-alvo muito plural, atinge todos os tipos de pessoas. Por isso tem que ter um cuidado ainda maior com os símbolos que usam para despertar a paixão do clube – diz o sociólogo.

Há os especialistas que aprovam a campanha. Responsável pelo marketing esportivo de Furnas, Gustavo Machado diz que ela consegue mexer intensamente com o emocional dos torcedores de uma maneira positiva:

– As pessoas se sentem mais flamenguista depois de assistir a esse filme. Portanto, a campanha cumpre com o seu objetivo. E ninguém vai brigar porque assistiu ao filme. O torcedor que vai pra brigar já tem os motivos dele para briga. Ele não fica mais violento por causa desse filme – diz Machado.

Machado ressalta, no entanto, que vivemos no mundo do “politicamente correto”. E que para evitar críticas é melhor tomar mais cuidado na veiculação de um conteúdo tão emocional quanto o deste filme.

– Acredito que em determinadas situações, como em um intervalo de Flamengo e Vasco, é melhor evitar a veiculação do vídeo.

Para o coordenador de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio, Antonio Carlos Morim, o filme abre espaço para ser compreendido como uma incitação à violência em diversos momentos. Principalmente, quando aparece a tinta vermelha na mão do torcedor.

– É possível explorar a paixão do torcedor de outra maneira. O sangue poderia ter sido substituído por suor, por exemplo. O simbolismo da imagem é muito forte. E o consumidor, no caso o torcedor, pode entender esse símbolo de outro maneira associando o sangue à briga, luta – analisa Morim.

Segundo Orlean, o clube não cogitou em nenhum momento restringir os momentos em que o vídeo é transmitido, uma vez que a diretoria entende que não há incitação à violência no conteúdo. Segundo ele, a tinta vermelha não significa sangue.

– O simbolismo da tinta é muito simples: o vermelho na pele negra representa a pele rubro-negra de nossa torcida. Mesmo que fosse sangue, seria o próprio sangue, o sangue rubro-negro, que pulsa e corre nas veias. Não há nenhuma cena de violência, de conflito, nada.

Fonte: http://oglobo.globo.com/esportes/torcedores-do-flamengo-discutem-se-video-de-campanha-incita-violencia-21125977

Share this content: