Julinho Botelho pisou no gramado do Maracanã, em 13 de maio de 1959, com credenciais mais do que suficientes para ser bem recebido pela torcida. Suas atuações pela Portuguesa, no início da década, renderam-lhe uma convocação para a Copa do Mundo de 1954. E, na Itália, para onde se transferiu no ano seguinte, ajudara a Fiorentina a conquistar seu primeiro título nacional, na temporada 1955/56. Nada disso, porém, impediu que os mais de 127 mil torcedores presentes entoassem uma das maiores vaias da história do futebol ao vê-lo escalado na ponta-direita, em detrimento de Garrincha, ídolo do Botafogo e identificado com os cariocas. Julinho, por sua vez, tinha a cara do futebol paulista — era jogador do Palmeiras quando o técnico Vicente Feola escalou a seleção brasileira para aquele amistoso com a Inglaterra, o 54º maior jogo da história do estádio.
Na edição do dia seguinte à partida, O GLOBO tratou “as lamentáveis demonstrações de parte da assistência” como um dos “acontecimentos tristes” no Maracanã. “Sabendo-se que se trata, realmente, do melhor ponteiro direito que já atuou em quadros nacionais, embora eventualmente afastado das manchettes por força da sua ida para o Fiorentina, a sua volta ao ‘Scratch’ deveria ser motivo de orgulho e alegria. Por que, então, vaiar Julinho por ter sido o escolhido por Feola? Nem queremos acreditar que tenha sido por culpa do regionalismo, já que isso é assunto superado em nosso país”, completou a reportagem.
Acontece que o destino tinha uma narrativa mais generosa com Julinho para aquela tarde no Maracanã, e o ponta não deixou que os barulhos da arquibancada comprometessem o seu desempenho. Ele precisou de apenas dois minutos para marcar o gol que abriu o placar, e ainda deu uma assistência para Henrique definir o triunfo da seleção por 2 a 0. Deixou o gramado sob aplausos, é claro. E, no vestiário, também em entrevista ao GLOBO, descreveu as emoções que viveu naquela tarde.
— A desilusão não poderia ter sido pior. Em tão poucos anos eu havia sido esquecido e abandonado pelos torcedores. O golpe calou fundo, porém a revolta foi imediata e prometi a mim mesmo reagir no limite máximo de minhas forças nos noventa minutos do jogo — afirmou. — Ao conquistar o tento de abertura da contagem e, posteriormente, a cada jogada em que recebia aplausos, emocionei-me como há multo já não acontecia. Revivia, enfim, os meus melhores momentos, aqueles em que tive a honra de defender as cores nacionais.
A história de Julinho é a mais emblemática, mas nem de longa a única. Nomes de peso do nosso futebol tiveram seus dias de rusgas com a arquibancada. O ex-meio-campista Raí, hoje dirigente do São Paulo, ouviu o Maracanã gritar “pede para sair” na derrota por 1 a 0 para a Argentina que antecedeu à Copa da França, em 1998. Ele não defendia a amarelinha desde o tetra, quatro antes, mas fora selecionado para aquele duelo pelo técnico Zagallo. Foi mal, substituído e ficou fora do Mundial. Mais de uma década depois, admitiu, em entrevista ao UOL, que aquele havia sido o ponto mais triste de sua carreira.
Já o lateral Cafu, que ergueria a taça do penta em 2002, foi vaiado dois anos antes do título sobre a Alemanha, em partida contra o Uruguai pelas Eliminatórias. Ele fazia parte de um time comandado por Vanderlei Luxemburgo, a quem a torcida não poupou dos gritos de “burro”. Para completar, a arquibancada reagiu com pedidos de Maurinho, então lateral-direito do Flamengo, na seleção.
Mas o clamor tinha seu tom de ironia. Afinal, o próprio Maurinho sofreu nas mãos — ou melhor, na garganta — dos rubro-negros, em um período não muito bom da história do clube. No final dos anos 90, o Flamengo perdeu dois títulos com finais Maracanã: as decisões da Copa Rio-São Paulo (para o Santos) e da Copa do Brasil (para o Grêmio), em 1997. Enquanto isso, o rival Vasco vivia o momento mais vencedor de sua história, com as conquistas do Brasileiro daquele ano e da Libertadores do ano seguinte. A cobrança sobre os rubro-negros aumentou, e um dos que mais sofreu foi lateral-direito Maurinho, egresso do Bragantino.
— Futebol é pressão. Quando o momento não era bom, eu me dedicava mais no jogo e, assim, conseguia não perder o foco — explica o ex-lateral, que desde a aposentadoria, em 2010, tem trabalhado como treinador e, hoje, está à frente do Serrano, time de Petrópolis que disputará a série B2 do Carioca.
A situação melhorou para o rubro-negro na reta final daquela década, com o título da Mercosul em 1999 e o tricampeonato estadual sobre o rival — o que levou a torcida a valorizar mais o espírito “guerreiro” de Maurinho. Ao analisar o comportamento da arquibancada no aniversário de 70 anos do Maracanã, o ex-lateral indica uma mudança:
— Acho que a pressão dentro do estádio diminuiu. No tem mais a geral, que fazia uma diferença no ambiente. Porém, tem as redes sociais, que fazem com que as críticas tomem uma proporção maior.
É verdade que a internet se tornou um ambiente de gestação de antipatias, mas a arquibancada continua sendo o local de manifestação mais evidente dessa relação, e o gramado, o palco da reconciliação. O exemplo mais recente dessa reviravolta também é rubro-negro: no clube desde 2016, Willian Arão passou por altos e baixos e viu a torcida pegar no seu pé. Depois da temporada espetacular do Flamengo no ano passado, com os títulos do Brasileiro e da Libertadores, o cenário mudou. O Maracanã agora está a seu favor.