Rafinha. Ou Rato. Ou o capitão sem faixa. Assim o lateral de 34 anos era chamado por jogadores e funcionários do Flamengo. Embora a torcida estivesse sem qualquer boa vontade de ouvir as últimas palavras do lateral como atleta do clube, a coletiva de despedida nesta segunda-feira serviu para reforçar uma impressão interna. A de que o veterano deixa uma lacuna de liderança insubstituível no elenco.

Com a contratação do substituto Mauricio Isla encaminhada, a diretoria do Flamengo não terá no jogador, nem em outro atleta do grupo atual, o perfil de Rafinha. E o efeito causado por seu comportamento no vestiário. Os churrascos corriqueiros citados por Filipe Luis na despedida eram apenas uma forma de unir o elenco. As rodas de samba, da mesma forma.

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— Queria dizer que a gente ama você. Obrigado por tudo que fez por nós. Deixou um legado. O cara que chegar vai ter que suar para chegar na sola da tua chuteira — declarou Filipe Luis.

As brincadeiras com Gabigol, que representa uma liderança mais jovem no Flamengo, explicam também como Rafinha uniu gerações e estilos diferentes de jogadores. O short levantado na perna virou tendência, que Gabigol imitou, e fez questão de usar como homenagem no adeus.

A entrega do Gatorade antes da coletiva ajudou a quebrar o clima de emoção. Marca registrada de Rafinha, que chorou desde Goiânia após decidir que sairia para jogar no Olympiacos, da Grécia.

—  Não sabem o que eu fiz para unir nosso vestiário, deixar tudo do jeito que eu queria. Eu tenho esse espírito de liderança, que é uma coisa natural, e lutei muito para que nosso grupo fosse fechado. Coloquei algumas regras, alguns gostavam, outros não, mas sempre procurava junatr o time —  observou.

Rafinha costumava sempre levar os instrumentos para o CT. No Ninho, desde o comando de Jorge Jesus, o cavaquinho, o banjo, o tantan e o pandeiro ecoavam pelo prédio. Sempre antes dos treinos, o lateral tocava três sambas. Nos dias de jogo, achava que a roda de pagode também dava sorte para a partida. E todos acompanhavam. Também por isso, os jovens adoravam Rafinha. Os veteranos não ficavam atrás.

A diretoria entende que o grupo tem atletas com lideranças diferentes. Igual a Rafinha, não há. Depois do clássico com o Fluminense, houve provocações chamando o lateral de entregador de Gatorade no Bayern de Munique. Ele pegou a brincadeira para si. Para melhorar o clima. E para unir o time ainda mais em sua defesa.

O lateral também conseguiu sintetizar a liderança dos próprios capitães que já haviam no clube em torno dele. Antes de sua chegada, a faixa era de Éverton Ribeiro, liderança técnica, não tanto comportamental ou motivacional. Esse papel era encarado mais por Diego Ribas e Diego Alves.

O primeiro, camisa 10, é considerado internamente o capitão dos capitães, por tudo que representa para o Flamengo nos últimos anos em termos de profissionalismo. Diego facilita os caminhos dos demais que chegaram, explica como é o clube, ajuda na adptação, na ligação com a diretoria.

Diego Alves, titular absoluto, poderia ser um substituto de Rafinha na função, mas não é tão unanimidade em termos de liderança quanto o lateral. Embora tenha voz e experiência dentro de campo. No caminho para o estádio, porém, era Rafinha que incendiava o grupo. Sempre que levantava voz no vestiario, era ouvido por todos.

Outro candidato seria Filipe Luis, que nesse quesito se equivale, mas não tem o mesmo carisma, ainda que sempre cobre muito os demais. Sua experiência na Europa e na seleção brasileira o faz ser ouvido dentro e fora de campo, inclusive pelos treinadores. É o principal membro da transição de Jesus para Domènec Torrent.

Diferente de Rafinha, o lateral esquedo prefere rock ao samba. E pagode é o estilo musical que toca nos carros de quase todos no Ninho do Urubu. O churrasdo de despedida de Jorge Jesus não foi um acaso. Representou o espírito agregador do atleta. Unia o elenco e todo o futebol do Flamengo, comissão e funcionários mais humildes.

O Flamengo fica sem sua principal referência, mas terá que cantar outros versos, que não necessariamente vão rimar com Rafinha. Pois o show tem que continuar.