Não existe uma receita de sucesso no futebol. Seja dentro do campo ou fora dele. O que serve para o Flamengo pode não servir para o Vasco e assim por diante. Não há um prazo para quando o sucesso administrativo de um clube irá refletir no campo com títulos. O próprio time Rubro-Negro é um exemplo disso.
Quando Eduardo Bandeira de Mello e equipe assumiram o clube em 2013, a reestruturação administrativa e financeira era prioridade. Houve uma comunicação muito honesta com a torcida de que viriam dias de aperto para depois vir as taças. A torcida comprou a ideia, pois partira dela, o rompimento com o modelo arcaico de gestão que era implantado.
As decisões acertadas nas renegociações e pagamentos não foram vistas nas gestão do futebol nos anos seguintes das duas gestões de Bandeira (2013-2015 e 2016-2018). O clube criou um modelo de gestão, criou um planejamento administrativo em diversos setores, mas não aplicou isso no futebol. Não havia convicção, filosofia, plano de jogo ou algo parecido. Um dos simbólicos acertos fora de campo e que refletiria dentro dele, foi a devolução de Vagner Love. O atacante havia sido comprado por 10 milhões de euros (R$ 27 milhões na cotação da época) junto ao CSKA na gestão de Patrícia Amorim, que já havia pago 4 milhões de euros (R$ 10,8 milhões na cotação da época). Havia convicção naquela escolha, naquela decisão. O clube também abriu mão de outros grandes atletas dos Esportes Olímpicos. Não renovou com Cesar Cielo e encerrou os contratos com Diego Hypólito, Daniele Hypólito, Jade Barbosa, Petrix Barbosa, Sérgio Sasaki, Caio Campos e o técnico Renato Araújo. As demissões foram em massa. 20 do judô e 8 da ginástica olímpica.
Já fora do campo, só nos três primeiros anos da gestão, foram nada menos que oito treinadores: Dorival Júnior, Jorginho, Mano Menezes, Jayme de Almeida, Ney Franco, Vanderlei Luxemburgo, Cristóvão Borges e Oswaldo de Oliveira. Além do número alto de treinadores, o que chama atenção é a diferença de estilos e filosofias entre eles. A inovação administrativa não se repetia no futebol, o Flamengo seguia o sistema do futebol brasileiro que é o de contratar o treinador e caso não haja resultados imediatos, o demite e contrata quem estiver disponível no mercado até acertar uma escolha que resulte num título.
Nos últimos três anos de Bandeira de Mello, foram menos treinadores. Começou o ano de 2016 com Murici Ramalho, depois Zé Ricardo até agosto de 2017, depois Reinaldo Rueda. Inicia 2018 com Carpegiani. Em março, assume Maurício Barbieri, que fica até setembro, quando dá lugar a Dorival Júnior, que segue até o fim do segundo mandato, em dezembro. Seis treinadores. Mesmo com tantas trocas e alguns treinadores tão heterogêneos, o Flamengo tinha uma espinha dorsal e uma maneira de jogar. Mas mesmo assim foi se retroalimentando no sistema.
Em 2013, entrevistei o presidente mais vitorioso da história do Flamengo, Márcio Braga. Perguntei a ele: — Presidente, qual segredo para ter uma gestão vencedora? — Como se fosse a coisa mais fãcil do mundo, ele responde — Simples, meu filho: é só pagar as contas em dia e a bola entrar quarta e domingo —. No mesmo ano, em entrevista com o ex-presidente, Hélio Ferraz, ele me garantiu que todas as decisões tomadas fora de campo, uma hora iriam refletir dentro dele. Isso tudo só foi ocorrer seis anos depois, mas não deixou de ser uma verdade. Isso me fez relembrar o título do livro de Ferran Soriano, ex-vice de finanças do Barcelona entre 2003 e 2008, “A bola não entra por acaso“.
Aliás, no capítulo de abertura da obra, sob o título, “Não é por acaso“, Soriano lembra da final da Liga dos Campeões de 2008 entre Chelsea e Manchester United. Na disputa de pênaltis, Cristiano Ronaldo perde a última cobrança para o United e o título estava nos pés do zagueiro John Terry. Ele escorregou e mesmo conseguindo fazer a cobrança, ela bate na trave e vai pra fora. Para lhes poupar, a sequência de cobranças continua e o Manchester é campeão. Ferran ilustra a abertura do seu livro com essa partida para dizer simplesmente que não foi um acaso ou azar o erro do zagueiro. Havia uma lógica por trás e ele diz mais. Diz que é preciso “reinterpretar a lógica“. Melhor, ele afirma que “trata-se de achar uma lógica nova“. Ou seja, o gestor tem que ter o trabalho de descobrir. E foi justamente o que o Flamengo fez em suas finanças.
Soriano conta que aquela gestão do Barcelona era apegada aos detalhes. Tudo tinha um objetivo, era minuciosamente estudado antes de tomar uma decisão. Eles não contrataram Ronaldinho em 2003 simplesmente porque ele era um craque, bem como o técnico holandês, Frank Rijkaard. Houve processos, estudos e muitos debates até cada tomada de decisão. Podemos dizer que após o Flamengo ter iniciado algo parecido em sua administração, em 2013, fez agora o mesmo na escolha do seu novo treinador, em 2020. Jorge Jesus já foi uma inovação. Não podemos esquecer do equívoco que foi a escolha de Abel Braga no fim de 2018 já na gestão de Landim. O acerto foi justamente o português. Uma ousadia grande, mas que não passou por um processo de escolha. Porém, foi Jesus quem deixou um jogo ideal, uma filosofia que os dirigentes agora buscam. O português foi uma semente plantada no CT Ninho do Urubu. Um time que joga pra frente, é objetivo, sufoca o adversário e busca o gol sempre!
Após cinco jogos, há uma pressão para que o resultado desse processo seja demitido. Demitir Domènec Torrent agora, é o mesmo que jogar tudo isso fora e voltar ao sistema já descrito acima. Há um ditado que diz: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa esperando resultados diferentes”. Não vai ser voltando a este sistema que o Flamengo irá conquistar a tão sonhada hegemonia do futebol brasileiro e da América. Mas vocês podem perguntar: “E se der errado?“. Bom, Bruno Spindel e Marcos Braz terão que “tratar de achar uma lógica nova” ou “reinterpretar a lógica“. Não foi assim com a chegada de Jorge Jesus?
Quando Gabigol, aos 91 minutos da partida contra o River Plate, em 23 de novembro de 2019, sábado, marca o gol da virada para sacramentar segundo título da Libertadores do Flamengo, a jogada começa lá no dia 12 de janeiro de 2013, também num sábado, com Eduardo Bandeira de Mello após um acordo, devolvendo o seu camisa 9 e maior astro daquele time, Vagner Love ao CSKA, e abrindo mão dos já pagos 4 milhões de euros (R$ 10,8 milhões na cotação da época). Dias de luta, dias de glória!
Não podemos voltar ao sistema! Seremos engolidos por ele!
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