Os últimos 24 meses foram os mais vitoriosos da história recente do Flamengo. O empilhamento de taças, porém, não impediu que o clube enfrentasse duas crises no período — e sequer incluo a pandemia, pois esta foi generosa e atingiu a todos. Curiosamente, o sobressalto de agora com Rogério Ceni se dá na mesma altura daquele enfrentado por Domènec Torrent na temporada passada, durante as primeiras rodadas do Brasileirão e diante do mata-mata na Libertadores e na Copa do Brasil. Diferentemente do que ocorreu com o catalão, é fundamental que a solução agora seja mais saudável.

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Dome fez um trabalho muito fraco no Ninho do Urubu, e o time que se via em campo era um Frankenstein, uma mistura do que os jogadores haviam aprendido a fazer e aquilo que o catalão não conseguia ensinar. Quando os resultados e as atuações se tornaram vexatórios, optou-se por uma demissão que contava com robusto apoio popular — e que custou R$ 10 milhões. A saída permitiu que o departamento de futebol jamais se escusasse do grave erro de ter contratado um treinador sem saber que suas ideias de jogo eram incompatíveis com o que se buscava.

Relatos publicados em diferentes veículos nas últimas horas indicam que, mais uma vez, cogita-se o expediente fácil da troca de técnico, isto dias depois de a falta de “liga” entre Ceni e o clube ser tema de reportagem do site ge. Por ora, a movimentação foi freada em virtude do ônus financeiro que viria da substituição no comando e do risco de se comprometer ainda mais o planejamento em um momento-chave da temporada. Essa circunstância, contudo, oferece a oportunidade de ser mais justo na responsabilização pelos 50% de aproveitamento após oito rodadas da Série A.

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Não se trata de ignorar os problemas do trabalho de Rogério Ceni, desde a comprometedora fragilidade do sistema defensivo às substituições que invariavelmente pioram o desempenho do time. Mas de entender que outros fatores contribuem para a marca de quatro derrotas em seis jogos.

É verdade que o rubro-negro cai de rendimento no fim das partidas, normalmente depois das trocas feitas pelo técnico. Mas esse declínio costuma ser precedido por ao menos 60 minutos de um domínio que não se converte em gols. Também é verdade que as substituições de Ceni são questionáveis. Mas é difícil acertar quando se precisa escolher entre Michael e Max. É verdade ainda que o clube deve respeitar suas limitações orçamentárias. Mas um Centro de Inteligência de Mercado trabalha para encontrar Pablo Marís, não Bruno Vianas.

O retorno dos jogadores que disputaram a Copa América — Arrascaeta e Isla já atuaram contra o Atlético-MG, Everton Ribeiro e Gabigol voltam na próxima semana — tirará da boca de Ceni o álibi favorito das últimas semanas. Será a chance de o treinador mostrar que não é o vilão da derrocada rubro-negra. Mas o novo momento também precisa ser de respostas em outras frentes: Bruno Henrique, Arrascaeta e outros medalhões continuarão desperdiçando chances como as que tiveram diante de Marcos Felipe e Everson? O mau desempenho de Pedro é reflexo da Covid-19 ou produto do veto aos Jogos Olímpicos? O declínio de Everton Ribeiro é uma má fase ou o novo normal? A vice-presidência de futebol buscará reforços agora ou reconhecerá que, sem dinheiro, não é mais possível dizer que o Flamengo tem o melhor elenco do Brasil?

Por conta da irregularidade no número de jogos disputados, convém analisar a tabela do Brasileirão pelo viés de pontos perdidos. Nesse cenário, o Flamengo deixou 12 pelo caminho, somente quatro a mais que os líderes Palmeiras e Bragantino. Com 28 rodadas cheias pela frente, o rubro-negro tem muita margem para correr atrás do prejuízo. Para fazê-lo, precisará dos acertos de seu treinador, mas também das outras peças dessa complicada engrenagem.