Uma das minhas primeiras decepções gastronômicas no Rio de Janeiro foi o La Mamma. Desculpem se ofendo com isso alguma sensibilidade carioca, mas aquele nome que frequentava meu imaginário de consumidor de notícias esportivas era, como restaurante, no máximo razoável – pizza com muito queijo, chope com pouco colarinho. De qualquer forma, valeu a pena conhecer, porque fui até lá justamente para entrevistar seu frequentador mais ilustre e fiel: Carlinhos. Era onde, dizia a lenda que descobri ser verdade, ele ficava esperando ser chamado para voltar a dirigir o Flamengo. Bastava mais um treinador ser demitido e a solução estava logo ali, a alguns passos da Gávea.
O La Mamma chegou a ser interditado pela vigilância sanitária até fechar de vez. Carlinhos morreu antes disso, em 2015, aos 77 anos, 15 depois de sua sétima e última passagem como técnico do Flamengo (o único clube que defendera como jogador, e pelo qual conquistou títulos estaduais, nacionais e internacionais). Conhecido como Violino por seu estilo clássico no meio de campo, tinha voz fina e fala mansa. Numa orquestra, não seria o solista, mas o spalla, sempre à esquerda do maestro – cujo lugar, volta e meia, assumia. Era um esteio de tranquilidade necessário para um tempo em que demitir treinador era decisão de dirigentes amadores, tomada muitas vezes de forma intempestiva, algumas até no meio da madrugada.
Hoje, clubes como o Flamengo têm departamentos de futebol altamente profissionalizados, com analistas de desempenho que usam os mais modernos recursos de tecnologia para manter o treinador informado sobre as características dos jogadores adversários e para monitorar possíveis contratações. Quando mais um é mandado embora – porque mudou muita coisa, mas a instituição da demissão continua inabalável –, não é mais necessário correr ao La Mamma para chamar Carlinhos. Dá tempo de ir à praia de Ipanema tirar Renato Gaúcho do futevôlei enquanto a engrenagem continua funcionando.
Os bastidores da demissão de Rogério Ceni, com direito a documento e áudio vazados, passam justamente por essa estrutura, e levantam um questionamento importante: qual é a prioridade? Montar um departamento de futebol demanda tempo; contratar um treinador de peso exige dinheiro. O que falta a um, sobra ao outro: continuidade de um lado, visibilidade do outro. Num mundo ideal, seriam características complementares. É o que parece ter acontecido na passagem de Jorge Jesus pelo Flamengo, levando-se em conta os resultados – mas o português nunca foi conhecido pela facilidade no relacionamento e nunca ouvimos um depoimento gravado sobre ele, com a observação final de que pelo amor de Deus, isso é altamente confidencial.
Ceni sai deixando a impressão de ter proposto e perdido uma queda de braço. Mas o que leva a crer que Renato chegaria com uma postura diferente? No Grêmio, não havia dúvidas sobre quem mandava – afinal de contas, não se discute com uma estátua. Mas o Flamengo não é o Grêmio, como não é o Fortaleza, não é mais o clube que tinha um Carilnhos esperando no La Mamma. Os resultados podem voltar logo, porque os titulares já estão voltando. O problema, agora, é muito mais o de escolher um rumo a tomar. E isso passa por definir prioridades.
Fonte: https://oglobo.globo.com/esportes/marcelo-barreto-flamengo-precisa-escolher-rumo-tomar-25101893