Antes da temporada 2009-10 da NBA, Baron Davis assinou um contrato que continha uma das mais estranhas cláusulas de que se tem notícia. O Los Angeles Clippers, à época um time irrelevante, concordou em pagar um bônus de 1 milhão de dólares se Davis participasse de pelo menos 70 jogos do campeonato e a equipe vencesse 30. Para fazer a parte dele, portanto, bastava a Davis se manter em forma e pontual para se apresentar em 85% das partidas da temporada. O restante era um objetivo coletivo aquém da mediocridade, considerando o calendário de 82 jogos. Em tese, um caso em que o pagamento do prêmio deixaria todos felizes.

Suponha, porém, que circunstâncias fictícias levassem uma franquia da NBA a uma situação financeira tão deplorável que simplesmente não houvesse dinheiro para honrar o que estava escrito no contrato. A solução seria evidente: escalar o jogador em, no máximo, 69 partidas. Somente algo dessa natureza, um flerte com o ridículo, explicaria a opção de uma equipe por não ter um atleta importante em ação. Não consta que o Flamengo tenha se colocado nesse tipo de dilema com Pedro, um jogador pelo qual o clube investirá o equivalente a 14 milhões de euros até 2023. De modo que a ideia de que há uma decisão interna que o impede de estar em campo é intrigante, pois sugere uma sabotagem da diretoria do Flamengo a seu próprio time de futebol.

O caso de Pedro é interessante por se tratar de um futebolista que seria titular em quase todos os clubes da América do Sul, e, claro, pelo seu desejo não contemplado de disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio. Independentemente da importância que se dê ao futebol na Olimpíada e à legitimidade da aspiração de um jogador por atender a essa convocação, ignora-se, de maneira geral, que esse tipo de “conflito” não se resolve como se apaga uma lâmpada. Ambos os lados precisam administrar a decepção, um sentimento conhecido por qualquer pessoa. Sem comparações entre jogadores, Pep Guardiola mudou de ideia sobre a liberação de Messi para os Jogos de Pequim, em 2008, para não precisar lidar com o ressentimento de uma figura tão valiosa para o Barcelona. Ao tratar das reações de Pedro enquanto aguarda pelo chamado de Renato, é preciso, antes de mais nada, saber a que se devem, e não esquecer que um aspecto essencial do trabalho de técnicos e seus superiores é gerenciar as expectativas de seres humanos.

Como é frequente, os exageros comprometem o debate. Da parte de quem entende que jogador tem que se limitar a cumprir ordens em silêncio e de quem pensa que, como não foi a Tóquio, Pedro deve jogar sempre que estiver disponível. No centro da conversa, um atacante de 24 anos que alimenta ambições e trabalha com as próprias perspectivas como qualquer um faria, e que, até onde se sabe, não cometeu nenhum ato de indisciplina que justificasse ser punido com o desprezo de seu treinador. O fato de estar no banco já seria suficiente para afastar esse tipo de fantasia.

Baron Davis apareceu em 75 jogos naquela temporada da NBA, mas os Clippers só ganharam 29. O bônus não foi pago.