O primeiro poema que eu aprendi de cor nunca mais esqueci: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. A métrica era o 4-3-3; a fluência, moderna, mudava a cada declamação. O título? Vários: Estadual, Brasileiro, Libertadores, Mundial…
No universo dos clubes, o Flamengo do início dos anos 80 era a representação do ideal de futebol para a geração que se encantou com a seleção de 82. Recentemente, descobri que, com essa escalação, o time entrou em campo apenas dez vezes. Pior para os fatos; fica a poesia.
Quatro décadas depois, chegou o momento de expor aquele time inesquecível a uma comparação. Diego Alves, Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí e Filipe Luís; Willian Arão, Gerson, Everton Ribeiro e Arrascaeta; Gabigol e Bruno Henrique entraram juntos em campo ainda menos vezes: foram só oito partidas com essa formação inicial em 2019. Mas com ela como base o Flamengo conquistou títulos — e continua na disputa por outros — que já permitem fazer o que até agora era impensável.
Não sou dos que têm certeza de que no meu tempo tudo era melhor, mas já cheguei à idade de entender por que é difícil aceitar comparações com uma nova geração. Não é fácil aceitar que os parâmetros que balizaram nossa vida — mesmo que seja só a de torcedor — estão mudando. Já escrevi neste espaço que Zico é meu parâmetro de jogador de futebol. Imagino que, como eu, muitos torcedores rubro-negros tenham dificuldade de aceitar qualquer desafio ao Galinho. E acredito também que ninguém esteja ainda disposto a dizer que alguém do time atual seja melhor do que ele. Mas Bruno Henrique tem só um gol a menos em Libertadores, e Gabigol tem cinco a mais. E essa conta ainda tem tudo para aumentar, na final contra o Palmeiras ou na próxima edição. Quem está prestes a atingir ou já superou um número de Zico pelo Flamengo pode ter certeza de que está fazendo algo de especial.
E por falar em Palmeiras. O jogo de Montevidéu, além de ser o tira-teima entre os primos ricos do futebol brasileiro, pode estabelecer uma nova rivalidade no posto de maior do país entre tines de estados diferentes. Faltava apenas um confronto direto desse nível para superar a que surgiu entre Flamengo e Atlético-MG nos anos 80 (com Palmeiras e Grêmio dos anos 90 possivelmente em segundo lugar). É mais uma mudança que minha geração vai precisar aceitar.
Os títulos que fizeram o Flamengo deixar de ser a Inglaterra da Libertadores e os que ainda podem vir se concentram no período da gestão de Rodolfo Landim, e devem ter influência marcante em sua candidatura à reeleição. Mas não é justo desprezar a importância de Eduardo Bandeira de Mello nessas conquistas: a reestruturação do clube começou com ele, e a cessação de seus direitos políticos é apenas uma das posturas da atual diretoria que já mereceram críticas neste e em outros espaços, desde os equívocos na estratégia de comunicação após o incêndio no Ninho do Urubu até o negacionismo da pandemia.
De 2019 para cá, o Flamengo se transformou no Malvadão, apelido que a torcida adotou e que funciona muito melhor dentro do que fora de campo.