Dizer que Flamengo e Atlético-MG, donos dos maiores investimentos recentes do país, protagonizaram um espetáculo pobre para as possibilidades dos elencos pode parecer mera subjetividade. Mas mergulhar em números do jogo ajuda a compreender como dois times cheios de talentos podem oferecer tão pouco.

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É preciso retornar a 27 de fevereiro de 2020 para encontrar, no jogo contra o Independiente del Valle, pela Recopa, uma ocasião em que o Flamengo tenha acertado menos passes do que no sábado: foram 131, contra 194 diante do Atlético-MG. Mas há 20 meses, o rubro-negro jogou 70 minutos com um jogador a menos. Se tirarmos esta partida da conta, teremos que voltar a 13 de outubro de 2019, quando o time trocou 186 passes para bater o Athletico.

É possível argumentar que Renato Gaúcho buscou, diante do líder do campeonato, uma forma alternativa de jogar, com menos posse, marcação recuada e contragolpe. Já o Atlético-MG de Cuca é, por característica, um time que prefere os ataques mais diretos. Não há certo ou errado, o futebol é aberto a infinitas possibilidades. Mas, até neste cenário, a pobreza criativa, de execução e de mecanismos, foi gritante.

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Após finalizar só duas vezes em 45 minutos, o Flamengo abraçou de vez o contragolpe e a ligação direta na etapa final. Mas não se articulava para o contra-ataque. Ao todo, 17% de seus passes no jogo foram bolas longas, índice que, em 2021, é superado apenas pelo atípico jogo com o Juventude, num campo alagado. Se eliminarmos esta partida, o índice é o maior desde um Fla-Flu pela Sul-Americana em2017. Ainda que se conceda que jogar assim foi uma opção de Renato, o acerto foi baixo: foram 77,6% de precisão nos passes, o menor índice desde aquele jogo com o Del Valle, há 20 meses.

O Atlético-MG também teve ampla contribuição no espetáculo decepcionante em que se transformou a partida mais esperada do fim de semana. Se o Flamengo tinha desfalques importantes, o time de Cuca atuou completo, mas não evitou uma partida descontínua nas posses de bola. Ao todo, os rivais tiveram, segundo dados do Wyscout, 159 sequências de posse de bola. Apenas três duraram mais de 45 segundos, e somente 27 tiveram entre 20 e 45 segundos. Juntos, os times erraram 145 dos 696 passes tentados, o equivalente a 21%. A cada cinco passes, um era equivocado.

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Em desvantagem, o Atlético-MG mostrou poucos recursos para furar uma defesa. Não é fenômeno inédito. Usava e abusava do recurso ao jogo de Hulk de costas, buscando sua força física para proteger a bola e girar. Ele foi, de longe, o jogador ofensivo com mais ações no jogo: 71, mas apenas três toques na bola dentro da área. Com Diego Costa, Cuca apostou de vez na bola alta, mas nenhum dos 23 cruzamentos foi resultado de uma jogada bem articulada. O Atlético-MG saiu do Rio com um Xg, ou gols esperados — métrica que avalia a probabilidade de gol na soma de todas as finalizações —, de apenas 0,9. O Flamengo, diga-se, venceu tendo produzido apenas 0,87. Se jogar bem é executar uma ideia com qualidade, fica fácil responder quem realizou bem o seu plano no Maracanã: ninguém.

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O que deveria restar do clássico é o inconformismo. Não deveríamos considerar normal que uma reunião de talentos resulte num produto final tão pobre, com planos de jogo tão rudimentares. Será justo ponderar sobre calendário, desfalques e cansaço. Mas é justamente por isso que precisamos cobrar um contexto racional para os times do país. Assim, será mais fácil separar o que é argumento e o que é muleta, perceber quem tem e quem não tem trabalho a exibir.

Emperrou

Os jogos do Fluminense têm roteiro repetido. Quando não se oferece ao time um cenário como o do Fla-Flu, com espaço para o contra-ataque, a falta de repertório ofensivo grita. Contra o Ceará, a expulsão de Gabriel Dias, que deveria ser um alento diante da derrota por 1 a 0, entregou todo o protagonismo ao time de Marcão. E após 34 cruzamentos e raríssimas oportunidades, um Flu inofensivo não evitou a derrota.

Tragédia iminente

O futebol deve ir além da punição exemplar a vândalos. É hora de debruçar sobre a incapacidade de transformar uma cultura de décadas, em que o estádio é território livre, em que os profissionais se tornam vítimas de todo tipo de patologias da sociedade, sujeitos à normalização e banalização de ofensas e agressões. Na Arena do Grêmio, novamente escapamos por pouco. Mas seguimos flertando com a tragédia.

Promissor

Enquanto o Grêmio se afunda, o São Paulo cresce. Do losango de meias criado para disfarçar a falta de velocistas pelos lados, Rogério Ceni passou a um sistema com três zagueiros, valorizando a boa saída de bola de Léo. A vitória sobre o Inter e seu bom início de trabalho ressaltam virtudes de um técnico inquieto, ousado e ofensivo, capaz de estruturar bem seus times. Taticamente, parece o mais promissor de nosso mercado.