Arthur Muhlenberg: “Pela décima vez”

Jurei não mais me importar pela décima vez. Jurei não perdoar o que ele me fez. O costume é a força que fala mais forte do que a natureza. E nos faz dar provas de fraqueza. Às 4 da tarde eu tava sentado em frente à TV, como o idiota irrecuperável que sou, pra ver o Mengão em Bambiland. O Flamengo é um vício.

Foi impossível fazer qualquer analise mais aprofundada sobre a tática, a técnica ou o mesmo sobre o ânimo do time do Flamengo tendo como base o que aconteceu no jogo do Morumbi. Disputado num momento em que o clube vive uma atmosfera sufocante, totalmente fora das mais recentes CNTP, com o técnico virtualmente postado diante de um pelotão de fuzilamento e a cartolada aparentemente dividida, metade querendo sentar o dedo e a outra metade com a bunda encostada na parede.

Ainda por cima era o time reserva, no que talvez tenha sido a mais acertada decisão tomada pelos mandachuvas do futebol esse ano. O enorme risco de esbagaçar psicologicamente o time titular antes de uma partida decisiva pela Liberta foi corretamente avaliado. A competição continental exige respeito. Brasileiro é maratona e, no longo prazo, tem nada errado em empatar de vez em quando fora de casa. Perder é bem pior.

Mas sofri demais assistindo à pelada, o gol do Berrío saiu logo no começo e passei o resto da tarde de domingo lidando com o ataque borracha-fraca tricolor. César fez boas defesas, ajudado principalmente pelo jeitinho doce dos caras chutarem no gol. No lance altamente controverso do gol deles César fez a sua melhor defesa no jogo. Infelizmente, seus camaradas da defesa deram mole e deixaram o vagabundo deles dominar e chutar sem esboçar nenhum protesto ou resistência.

Falando em arbitragem, o jogo teve ainda outro lance discutível, em que, pra variar, o Flamengo foi roubado mais uma vez sob o silêncio ensurdecedor do VAR. Que até agora só mostrou serviço marcando pênaltis contra nós e anulando nossos gols legítimos. O anunciado grande acordo nacional urdido pela cleptocracia nacional pra fuder o Flamengo, com VAR, com tudo, continua a pleno vapor. E nem assim o médio tricolor da Vila Sônia conseguiu ganhar dos nossos reservas.

Sem clubismo, se o Flamengo não tivesse ficado o 2º tempo inteiro olhando a São Paulo vir pra cima dava até pra ter ganhado o jogo. Mas o que nós, torcedores, podemos fazer? O conformismo com os resultados adversos ou placares modestos está virando uma embaraçosa característica desse Flamengo com as contas em dia. Aquela necessidade incontrolável de ganhar, nem que seja roubado, hoje em dia é cada vez mais rara de se encontrar. E no Flamengo pós-gentrificação é mais difícil ainda.

Hoje em dia o jogador do Flamengo já sabe que alcançou o topo da carreira, não quer guerra com ninguém, só quer que o juiz apite o final do jogo, tomar sua ducha e ir voado pro hotel assistir Game of Thrones. Nessas horas dá saudade do tempo em que os caras iam pegar as primas em boite e fazer festinha em boca-de-fumo. Pelo menos os caras quando faziam as paradas erradas ficavam na atividade, a adrenalina fazia o sangue dos malandro correr nas veias.

Mas não os culpo totalmente pela falta de élan, meu próprio sangue só altera sua velocidade de circulação se for pela Libertadores. O Brasileiro nessa fase homozigótica, não considerando a mensalidade do Premiere, vale muito pouco. Se você olhar pro alto da tabela de classificação vai achar que é o Grande Prêmio do Paraguai tal a quantidade de matungos e pangarés. Se eu, que sou um leigo, não me preocupo com essas jequices porque jogadores profissionais que manjam como as coisas realmente são iriam se preocupar?

Durante o nosso jogo, entre um bocejo e outro, pelo menos me convenci que César deve ser o titular contra o Piranhol e que tanto Piris da Mota quanto Ronaldo deveriam ser considerados seriamente pro lugar do Arão. No nosso jogo de quarta-feira mais importante do ano o característico descompromisso do Arão com a marcação pode nos custar muito caro. Mas, no fundo, acho que dificilmente o Abel vai dar o braço a torcer e barrar seu peixe. E nisso eu dou razão ao treinador, já que é pra ele se fuder que ao menos ele se foda junto com todo seu fechamento.

Sei que hoje em dia a alta fidelidade está fora de moda até para equipamentos sonoros, mas é um sentimento nobre e eu dou valor. Custe o que custar, nós gostando dele ou não, se classificando ou não, Abel tem que ser fiel às suas convicções como nós somos fiéis ao Flamengo. Joguei meu cigarro no chão e pisei. Sem mais nenhum, aquele mesmo apanhei e fumei. Através da fumaça neguei minha raça chorando, a repetir: o Flamengo é o veneno que eu escolhi pra morrer sem sentir.

Mengão Sempre

Disponível em: http://republicapazeamor.com.br/site/pela-decima-vez/

Fonte: https://colunadoflamengo.com/2019/05/arthur-muhlenberg-pela-decima-vez/