As relações entre clubes, torcidas e patrocinadores vêm se modificando em meio à maior reverberação das vozes nas mídias sociais. O fenômeno tem sido frequente e o caso mais recente envolve o Flamengo e a loja Havan, propriedade de Luciano Hang, apoiador declarado do governo Bolsonaro. A associação do rubro-negro ao empresário causou indignação em parte dos flamenguistas que não comungam com os ideais do presidente. Outra parcela da torcida defendeu o acordo.

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A polêmica foi tanta que o vice-presidente jurídico do rubro-negro, Rodrigo Dunshee, se manifestou no Twitter no dia seguinte ao acerto. O dirigente dissociou a negociação de qualquer fator político e descreveu o clube como “apolítico”.

“O Flamengo não se envolve em política. Alguns poucos é que metem o Flamengo nisso, para extravasar suas predileções políticas. Para o clube, o que importa é pagar as contas e salários em dia e, claro, conquistar muitos títulos. O Fla seguirá apolítico e querendo vencer mais e mais”, escreveu Dunshee, apesar da relação amistosa entre o clube e o governo federal. Em janeiro, o presidente compareceu a um treino do Flamengo em Brasília, devolvendo visitas em 2020 de dirigentes rubro-negros ao Palácio do Planalto.

Pelo acordo, válido até o fim do ano, a marca será estampada na manga da camisa do elenco principal, e o Flamengo deve receber entre R$ 6,5 milhões e R$ 7 milhões, de acordo com a ESPN.

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A reação ao patrocínio da Havan já havia acontecido em outros clubes, em diferentes graus de rejeição e aceitação. A loja patrocina equipes como o Athletico, Chapecoense e o Brusque, de Santa Catarina — da cidade onde se originou. No Rio, já havia acertado para estampar as mangas do Vasco, que teve movimento de protesto semelhante ao da torcida rubro-negra na época do anúncio.

No Rio, Havan já patrocinava o Vasco Foto: Rafael Ribeiro / Vasco

O envolvimento entre torcidas e patrocinadores tem se tornado mais próximo à medida em que todos estão presentes nas redes sociais. As marcas se fazem mais presentes no ambiente virtual e a pressão dos fãs torna-se mais significativa na tomada de decisões comerciais, seja dos clubes ou dos parceiros.

Caso Robinho

Um exemplo recente é o caso Robinho, no Santos. O atacante acertou com o clube da Baixada Santista enquanto respondia a uma acusação de estupro na Itália, e a história foi relembrada por torcedores e torcedoras assim que o jogador chegou à Vila Belmiro. O movimento chegou aos patrocinadores da equipe, que se posicionaram publicamente e pressionaram o Santos internamente a desfazer a negociação. O contrato de Robinho acabou suspenso.

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— O futebol sempre foi de massas, o que torna possíveis movimentos e reivindicações da sociedade. Às vezes, o caráter monetário acaba esquecendo esses aspectos sociais e políticos importantes na formação do clube — argumenta o sociólogo Paulo Nicolli Ramirez, professor da ESPM.

— Assim como qualquer manifestação cultural e popular, o futebol traz a memória de lutas políticas, reivindicações sociais, e me parece que os grandes investidores desses clubes não levam esses aspectos em consideração, só o econômico — completa Ramirez.

Na opinião do sociólogo, negócios com figuras polêmicas devem ser bem pensados, pois podem levar a prejuízos. No caso do Fla, ele crê num erro de estratégia, ainda que dirigentes do clube e Hang tenham proximidade com a política atual. Possíveis boicotes e redução de vendas de produtos são alguns dos prejuízos mais evidentes.

— O ponto central aqui são as atitudes polêmicas do Bolsonaro. Recentemente, a Caixa patrocinou vários clubes em governos passados. Não houve uma avalanche de críticas mesmo quando surgiram os casos de corrupção do PT. E o Hang é uma figura atípica, pois se confunde com a própria loja — diz Ramirez.

Torcedores atentos também na Europa

Para o professor de comunicação da PUC-Rio e especialista em gestão esportiva Alexandre Carauta, a reação dos torcedores remonta a uma crise de representatividade política. A mistura entre figuras políticas e o futebol gera um misto de sentimento e pode ter consequências mercadológicas:

— No caso da marca que passou a patrocinar o Flamengo, há uma associação pessoal do dono da empresa ao governo federal, e por tabela, a marca vem junto, a reboque. Esse cardápio de significados, de valores que são atribuídos ao governo e ao presidente, num cenário tão polarizado como temos nos últimos anos, se reflete nessa reação contrária de parte dos torcedores.

92598508_Soccer-FootballPremier-LeagueLiverpool-v-Newcastle-UnitedAnfield-Liverpool-Bri Acerto entre Flamengo e Havan reacende debates sobre relações de imagem entre clubes e patrocinadores
Newcastle esteve perto de ser adquirido por fundo monetário saudita Foto: DAVID KLEIN / Pool via REUTERS

E não são só os patrocínios que estão sob a atenta preocupação dos torcedores. Na Europa, casos como o da Superliga Europeia, apontado como um projeto elitista, e a aquisição fracassada do inglês Newcastle por um fundo monetário ligado ao governo da Arábia Saudita, em meio a acusações de desrespeito aos direitos humanos e do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, movimentaram as redes do ano passado para cá.

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O argumento da parcela da torcida que defende o acordo toca nas dificuldades financeiras que o futebol vem passando na pandemia. Em um momento de crise financeira, com a diminuição das receitas de bilheteria, entre outras, além de incertezas em relação a continuidade de campeonatos e dificuldade de venda de jogadore, é importante reforçar o cofre do clube, e os novos acordos de patrocínio são importantes nessa conta.