A série de dúvidas geradas pela liminar concedida pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Otávio Noronha, ao Flamengo, e que depois foi derrubada pelo vice-presidente adminsitrativo, Felipe Bevilacqua, pouco tem a ver com o esporte e muito com política. As decisões conflitantes não mostram uma quebra de braço entre presidente e vice, mas sim, revelam interesses além do futebol que estão por trás das cortinas.

No início de agosto, Noronha deferiu o pedido do Flamengo para que o time pudesse ter público em seus jogos como mandante, desde que as autoridades locais autorizassem. A liminar ficou guardada em alguma gaveta da Gávea até que a Prefeitura do Rio de Janeiro também acatou um pedido do rubro-negro e permitiu público em três jogos do time no Maracanã. A partir daí, começou a gritaria dos demais times.

Eles recorreram ao STJD, mas o próprio Noronha indeferiu o pedido de 17 clubes da Série A — ficaram de fora o próprio Flamengo, o Atlético-MG e o Cuiabá. Os times não desistiram e fizeram novo recurso. Este caiu nas mãos de Bevilacqua, porque ele é o relator original do caso, que será julgado no dia 23 pelos auditores do STJD.

Os times também ameaçaram não jogar a rodada do fim de semana do Campeonato Brasileiro. E chegaram a comunicar a intenção à CBF, que se moveu para atender ao desejo da maioria, já que também não deseja, agora, portões abertos.

Bevilacqua teve um entendimento contrário ao de Noronha e suspendeu a presença de público nos jogos do Flamengo até que aconteça a nova reunião do Conselho Técnico da Série A, que será no dia 28. A tendênia nesta reunião é que os clubes entrem em consenso sobre a liberação de torcida, já que a maioria das cidades está permitindo a volta de público aos estádios.

Mas, por que presidente foi para um lado e vice para outro?

Otávio Noronha é filho de João Otávio de Noronha, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão que presidiu entre 2018 e 2020. A decisão que favoreceu o Flamengo tem mais relação com o Governo Federal do que com o clube carioca. O governo Bolsonaro nunca escondeu de ninguém que deseja a abertura ampla e irrestrita o quanto antes. Inclusive, trouxe a Copa América para o Brasil quando Argentina e Colômbia desistiram de sediá-la por causa da pandemia.

A liminar dada ao Flamengo não foi a única assinada por Noronha. Ele também concedeu o mesmo benefício a outros clubes como o Atlético-MG, Confiança, Goiás e Vila Nova.

Desde quando se acirrou a disputa por uma vaga no STF, João Otávio de Noronha fez acenos positivos à família do presidente — foi ele quem, por exemplo, concedeu prisão dominciliar a Fabrício Queiroz e atrasou o quanto pode o caso das rachadinhas que envolve Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente. E agosto foi um mês chave para ele na corrida ao STF. No dia 30, o ministro fez 65 anos, e pela lei, deixou de ser elegível ao cargo.

Por outro lado, Felipe Bevilacqua tem fortes ligações com a CBF, principalmente com Marco Polo del Nero. O auditor está há mais de dez anos atuando no Tribunal. Já ocupou cargo de auditor de comissão disciplinar e procurador-geral. E como não é segredo para ninguém, o ex-presidente da CBF, banido do futebol pela Fifa, como é sempre bom lembrar, é quem dá as cartas na confederação.

Bevilacqua, quando assumiu o cargo de auditor do tribunal, em 2020, fez questão de agradecer a Del Nero em seu discurso de posse. Disse:

— Inicio fazendo um agradecimento especial ao presidente Marco Polo Del Nero. Foi quem me indicou à procuradoria-geral, quando presidente da CBF. Uma pessoa pelo qual nutro muita admiração e respeito. Foi ele que me alçou ao tribunal pleno, apesar de já estar há muito tempo ao STJD.

O Flamengo preferiu não recorrer e o assunto parece encerrado até então. A desistência vem diante do fato de que a questão deve se resolver na próxima reunião do Conselho Técnico, e porque a partida contra o Grêmio, nesta quarta-feira, com os portões abertos, foi um fiasco. A permissão era para quase 25 mil torcedores no estádio, mas pouco menos de 6.500 compareceram.