“Isso tudo por causa de uma derrota?”, Renato quis saber, ao responder um questionamento simples, e pertinente, sobre o sistema de marcação do Flamengo. As perguntas anteriores, todas igualmente simples e pertinentes, não foram caramelos para serem degustados em mais um pós-jogo festivo, pois evidentemente é preciso viver na realidade. O Flamengo de Renato não joga mal com frequência. O Flamengo de Renato não perde com frequência. O Flamengo de Renato não joga mal e perde com frequência. Quando acontece, em especial às vésperas de uma data decisiva pela Copa Libertadores, é natural — mais: é obrigatório — que se fale a respeito.
O ônus de times vencedores não é apenas experimentar de perto toda a crueldade do calendário brasileiro, jogando com periodicidade pornográfica e desafiando o que a ciência conhece a respeito da recuperação de atletas. Essas equipes, raras, também precisam reconhecer o fenômeno que se passa quando são superadas, porque é aí que está a notícia. De fato, é um bônus, não um ônus, pois os técnicos de tais times passam muito menos tempo explicando o que deu errado do que seus colegas menos favorecidos. Renato não tem obrigação de elaborar a respeito dos problemas defensivos de seu time, se não estiver disposto. Mas reagir como se fosse vítima de um tratamento injusto não é apropriado, mesmo que tenha sido para evitar dizer o que não quer.
O problema real, claro, não é que o Flamengo tenha feito uma apresentação mundana antes de enfrentar o Barcelona de Guayaquil. A derrota para o Grêmio se deu em circunstâncias muito específicas — entre elas o fato de ser o jogo imediatamente anterior ao encontro com os equatorianos —e pode ser explicada por diferentes ângulos. O sangue nos olhos dos gremistas, determinados a não perder pela terceira vez seguida para o mesmo adversário certamente fez seu papel. O problema é que o Flamengo não tem jogado com a verve implacável de quem deseja erguer todas as taças possíveis e se permite tardes off. Provavelmente não é uma escolha, mas uma inevitabilidade. Talvez tenha a ver com o tipo de comando exercido por Renato, mais caracterizado pela sabedoria do que pela obsessão.
O time que parece numa missão, hoje, agora, é o Atlético Mineiro. As razões são óbvias: o alto investimento acompanhado pela necessidade de vencer já; o clique de desempenho recente em uma equipe nova, sedenta; a perspectiva de múltiplas conquistas, entre as quais a do Campeonato Brasileiro meio século depois do primeiro troféu. O Atlético é um time seduzido pelo que não viveu, enquanto o Flamengo quer novamente subir uma montanha cuja rota é capaz de percorrer sem olhar. O que ilustra como é difícil, ao contrário do que pensa quem julga que o futebol profissional é uma atividade simples, dirigir times acostumados a ganhar. Mais difícil ainda é fazê-los seguir ganhando.
As próximas semanas mostrarão quem tem o necessário para colocar as mãos no que não parecia, até esta temporada, viável a um clube brasileiro: a inédita tríplice coroa. É mais do que uma questão de capacidade futebolística, algo que o Flamengo tem de sobra.