Arthur Muhlenberg: “Uma oitava acima”

Foi um parto difícil. Em suspense, os 40 milhões de pais da criança se perguntavam se haveria abertura pélvica suficiente para passar a enorme cabeça do menino gestado durante uma anômala e complicadíssima gravidez que durou 8 anos. Depois de muito perrengue e da regulamentar dose de sofrimento de todos os parentes, presentes e assistentes, o Dr. Everton Ribeiro, na base do chutão, começou a trazer à luz o esperado rebento, que só pode levar as palmadas no bumbum de praxe aos 46 minutos do 2º Tempo, após o renomado obstetra executar uma cobrança de falta de efeito quase cesariano.

Milagre da vida! O Flamengo conseguiu se classificar pro mata-mata da Libertadores! A comemoração exagerada que se seguiu não escondia o alívio da Nação. Entreufaseaté que enfinscatárticos, pouca gente reparava no sorriso bobo da progenitora, toda arrebentada na mesa de parto. Por trás do esporro da arquibancada alguém jurou ouvir o rebarbativo soneto de Coelho Neto, outrora o Príncipe dos Prosadores Brasileiros, hoje só lembrado como o pai do Preguinho:

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
O coração! Ser mãe é ter no alheio
Lábio, que suga, o pedestal do seio,
Onde a vida, onde o amor cantando vibra.

O jogo em si não teve nada de poético. Foi mais uma pelada de maus bofes em que o time do Flamengo demonstrou, para quem era capaz de enxergar óbvio, o quanto pesavam nas suas costas os anos de fracassos e ilusões desfeitas. É verdade que o juiz, safado como ele só, também não ajudava a criar um clima amigável. Mas do viés cleptocrata das arbitragens dos seus jogos o Flamengo já perdeu o direito de reclamar. É sempre assim, em qualquer jurisdição, é obrigatório se adaptar a essa realidade. Confuso, nervoso, atabalhoado, o Flamengo desperdiçava a sua opressora posse de bola em conclusões inconclusivas, deixando espaços abertos para a tragédia que rondava o Maraca se criar.

Diego, Paquetá e Vinicius Junior, não fugiram do pau, mas frustraram as exageradas esperanças sobre eles depositadas. Já os forasteiros Cuellar, humildemente tocando o terror, e Renê, refutando a tese pernambucana que para brilhar no Flamengo é preciso ser bonito e ter amigos, ao lado do inatacável Everton Ribeiro, pareciam ser os únicos que não entraram em campo como se estivessem devendo alguma coisa. Mesmo na hora dos sustos, que esbarraram em um Diego Alves em noite inspirada, os três não perderam a linha. E foram decisivos para que a inhaca continental fosse enfim derrotada.

A torcida, como sempre, esteve de parabéns. Bem vestida, ligada no jogo, prestando atenção no serviço e cantando bonito. Provando que bandeiras e instrumentos de percussão abrilhantam a festa, mas que o clima da arquibancada se cria é no gogó. O que deixa no ar alguns questionamentos sobre umas teorias socioeconômicas que relacionam a eficácia da torcida ao valor médio de seus contracheques. Ontem o jogo era decisivo, o ingresso tava caro pra chuchu, a arquibancada não lotou e mesmo assim os 40 mil “ricos” que botaram a cara cantaram como se não tivessem um só dente na boca. Sociólogos de botequim e doutorandos em precificação, ao combate, seus malas!

Embora reste o jogo com o River a ser jogado em Buenos Aires a fase de grupos já acabou, o que importa agora são as oitavas. Ainda nem sei se temos roupa pra isso. Mas como qualquer desafinado sabe, na escala cromática uma oitava é o intervalo entre uma nota musical e outra com a metade ou o dobro de sua frequência. No caso, o Flamengo está indo uma oitava acima, e aquele dó mixuruca do começo da escala tem que ser tocado muito mais alto. Prestem atenção nessa letra, isso não é negociável. Não desafinem!

Com essa dramática página virada, teoricamente não há mais motivos para que o Flamengo jogue tão mal, para que sinta tamanho desconforto e inadequação ao meio-ambiente da Libertadores. Daqui pra frente a atmosfera vai ficar cada vez mais irrespirável. É hora de inflar o peito de confiança e recobrar a antiga e indispensável arrogância que distingue os campeões dos meros coadjuvantes. É hora do Flamengo voltar a ser Flamengo outra vez. Está mais do que provado que a chave pro sucesso rubro-negro nessa carnívora competição é muito mais ética e motivacional do que física ou tática. Não que seja proibido jogar mal, acontece nas melhores nas melhores famílias, o que é terminantemente proibido é jogar mole.

Podemos e devemos comemorar, mas ainda não ganhamos nada. Voltado a glosar o Coelho Neto,Ser mãe é ter um mundo e não ter nada! Ser mãe é padecer no paraíso.

A mãe se fode toda, mas o costume é dar parabéns aos papais.

Mengão Sempre

Reprodução: Arthur Muhlenberg | Blog República Paz & Amor

Fonte: http://colunadoflamengo.com/2018/05/arthur-muhlenberg-uma-oitava-acima/

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