O Campeonato Brasileiro está de volta, mas bem diferente do que estamos acostumados. Antes previsto para começar em maio, precisou ser adiado devido à pandemia da Covid-19 e tem abertura marcada para este sábado, quando Fortaleza e Athletico se enfrentam às 19h, no Castelão. Uma coisa, porém, não mudou: o favoritismo do atual campeão Flamengo, que está vivendo um fenômeno raro na era dos pontos corridos.

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De 2003 para cá, somente quatro times campeões perderam no máximo um jogador titular para o ano seguinte — o São Paulo de 2008, o Cruzeiro de 2013, o Palmeiras de 2018 e o Flamengo de 2019. O levantamento engloba apenas vendas de jogadores, desconsiderando atletas que caíram de rendimento e perderam a titularidade.

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O Flamengo, que perdeu apenas o zagueiro Pablo Marí para o Arsenal, se diferencia ainda no cenário por causa das peculiaridades deste Brasileirão. Enquanto as outras três equipes mantiveram seus destaques por cinco meses entre o término de um torneio e o início de outro, o rubro-negro teve que segurar seus titulares por oito meses.

Vendas dos campeões brasileiros Foto: Editoria de Arte

— O futebol brasileiro se acostumou a ter campeões desmontados. O Flamengo, mesmo que tenha perdas, tem estabilidade econômica para buscar um padrão de jogador para repôr. Ele repõe com mais qualidade, rompe com uma tradição do futebol brasileiro e por isso permanece favorito ao título — opina o colunista do GLOBO, Carlos Eduardo Mansur.

Campeões conhecidos

O Cruzeiro de 2013 é o maior de que manter o time-base é meio caminho andado para o título no ano seguinte em pontos corridos. Os mineiros não venderam nenhum de seus titulares e faturaram o bicampeonato com rodadas de antecedência. Técnico daquela equipe, Marcelo Oliveira acredita que manter as principais peças foi fundamental.

— Os clubes que têm condições financeiras de manter o time vão levar vantagem com relação aos outros, principamente se encaixarem como o Flamengo de agora ou o Cruzeiro de 2013. Não tenho duvida de que o Cruzeiro conquistou o Brasileirão de 2014 porque manteve as peças. Isso traz um reflexo direto nos resultados. Quando você mantém um time, ele vai se entrosando e mantém a ideia do jogo. Isso vai acontecer com Flamengo, Palmeiras, Grêmio e mais tardar o Atlético-MG — declarou.

Após o bicampeonato, o Cruzeiro perdeu nomes como os meias Everton Ribeiro e Ricardo Goulart e o volante Lucas Silva. O resultado? Terminou na 8ª posição na edição seguinte. Oliveira diz que não foi por acaso.

— No ano seguinte, (o Cruzeiro) perdeu várias peças e demandou um tempo maior para se reencaixar. Um dos grandes problemas do futebol brasileiro é a saída dos jogadores para fora [do país]. Interessa ao clube para fazer dinheiro, ao jogador que vai ganhar mais, aos empresários… Acaba prejudicando ao técnico e ao torcedor, que não consegue mais escalar o time de um ano para o outro de cabeça — completou Marcelo Oliveira.

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Everton Ribeiro, meia do Cruzeiro Foto: Washington Alves / Washington Alves

Chance grande de título, mas…

O Cruzeiro é exemplo de sucesso, mas não significa que o Flamengo já pode comemorar o bi. Os exemplos do São Paulo de 2008 e do Palmeiras de 2018 mostram que também é importante não deixar os titulares caírem de rendimento ou a equipe não ficar defasada no ponto de vista tático.

Graças ao quesito técnico, o São Paulo se tornou a equipe mais vencedora do país na década passada liderada por um tricampeonato brasileiro entre 2006 e 2008. Curiosamente, o técnico Muricy Ramalho soube reinventar a equipe após várias perdas nos dois anos anteriores, mas o sonho do tetra ficou pelo caminho quando a base não conseguiu manter o rendimento.

— Após a conquista de um título de expressão, o elenco se valoriza muito e naturalmente surgem outras equipes interessadas em alguns atletas. A manutenção do mesmo grupo ou pelo menos de uma base facilita muito. Os jogadores já conhecem a filosofia de jogo, os companheiros de time e a maneira que o treinador gosta de jogar. Isso é fundamental para o time seguir ganhando e repetir o sucesso do ano anterior— explica Muricy, hoje comentarista do Esporte da Globo.

Já o Palmeiras em 2018 viveu um problema tático. Luiz Felipe Scolari, o Felipão, viu a sua ideia de jogo ser facilmente anulada pelos adversários mais técnicos e enfrentou a concorrência do Flamengo de Jorge Jesus, que deu uma aula neste quesito.

— O esgotamento de uma ideia de jogo com poucos recursos táticos e o surgimento de alguém que fizesse exatamente o oposto (foram os problemas). O Palmeiras de Felipão, campeão em 2018, era um time que tinha defesa muito forte, um jogo direto eficiente e dependia muito da individualidade de Dudu. A curto prazo, funcionou. Com o tempo, foi ficando facilmente marcado e o campo pedia mais recursos. O trabalho do dia a dia não apresentou e o time sucumbiu. Enquanto isso, um Flamengo com jogadores melhores e uma ideia de jogo bem mais elaborada surgiu e encantou a todos com desempenho e resultado. A diferença era enorme — opina Gustavo Zupak, setorista do Palmeiras na Rádio CBN.

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Felipão recebe homenagem da torcida do Palmeiras na festa do título Foto: NELSON ALMEIDA / AFP

Bons sinais para 2020

O levantamento mostra que 100% das equipes que perderam apenas um ou nenhum titular conseguiram uma vaga para a Copa Libertadores do ano seguinte. Porém, dificilmente a torcida rubro-negra aceitará menos que o título. O Flamengo não quer perder nada… e nem ninguém.