O que um transatlântico e um elefante têm em comum com o Flamengo? A resposta tem a ver com o tamanho. E foi baseado em sua grandeza histórica coroada com títulos recentes que o clube optou por Domènec Torrent para o lugar de Jorge Jesus. Os motivos ficaram ainda mais claros na apresentação do técnico catalão de 58 anos, ontem, no Ninho do Urubu. Não apenas em suas palavras, mas nas análises externadas pela diretoria, foi nítida a preocupação em não fazer uma mudança de rumo drástica na filosofia sobre o futebol. Ao contrário.

Embora Torrent tenha apenas um trabalho como treinador principal, no New York City, dos Estados Unidos, até 2019, os dez anos ao lado de Pep Guardiola em Barcelona, Bayern de Munique e Manchester City foram credenciais suficientes para manter a filosofia vitoriosa do Flamengo e de Jorge Jesus, com a possibilidade de implementar um estilo próprio para o principal desafio das equipes campeãs, na visão do próprio Domènec Torrent.

— O mais difícil não é ganhar, é voltar a ganhar. Ser vencedor novamente. Por isso estamos aqui, para fazer do Flamengo um clube vencedor por muitos anos — disse o novo técnico, que ainda tem dificuldades em entender português.

Domènec Torrent fala pela primeira vez em coletiva para a imprensa, no CT do Flamengo Foto: Divulgação Flamengo

A metodologia para alcançar este objetivo foi bem ilustrada na figura do mamífero gigante. Ao citar o legado deixado por Jesus, Torrent sinalizou que vai fazer uma transição suave, para aí dar sua cara ao time.

— É importante mudar pouco a pouco. Não vir aqui como um elefante e destroçar tudo. O trabalho foi fantástico, temos que aproveitar e melhorar.

Primeiro da série de técnicos entrevistados pelo Flamengo, o catalão não era o número um da lista. Mas reunia as condições para que a troca fosse o menos sentida possível pelo clube, jogadores e torcida.

Embora outros treinadores estivessem melhor cotados, a circunstância fez o vice de futebol Marcos Braz eleger Torrent, que tinha pouco material levantado pelo setor de scout do Flamengo, justamente por sua pouca experiência como treinador principal.

Ainda assim, o catalão tinha alguns trunfos a favor para furar a fila. Sua proximidade com Pep Guardiola, que o recomendou a se colocar disponível para o desafio do Flamengo, e o agente brasileiro Carlos Leite, muito próximo a Marcos Braz, e que tinha procuração para negociá-lo no Brasil. Foi, inclusive, citado na coletiva, em que Torrent lembrou do conselho do amigo Pep.

— Quando ele soube do interesse do Flamengo, só me disse: “Não deixe passar”. Se tiver confiança, é um dos maiores clubes do mundo. Foi algo que me incentivou.

Multa mais alta

Ao responder sobre os motivos para trazer Torrent, Braz disse que o técnico estava acostumado a estourar champagne e fumar charuto no vestiário. Ou seja, a ganhar. E que isso seria essencial para entender o Flamengo. Assim como a necessidade de manter o que vinha dando certo depois de um ano de investimentos altíssimos.

— Cada um tinha suas análises. E eu tinha as minhas. Um técnico que passou por períodos vencedores em clubes vencedores. Não podíamos chegar e inventar, trazer um técnico para dar um cavalo de pau num transatlântico — comparou o dirigente.

Torrent assinou com o Flamengo até o fim de 2021, com salário menor que o de Jesus, e multa rescisória mais elevada que o 1 milhão de euros que o Benfica ainda não depositou. A diretoria explicou que o orçamento para a comissão técnica diminuiu após a pandemia do coronavírus. O que se tornou um fator também decisivo para a escolha do novo treinador. Todas as outras opções tinham algum mercado na Europa ou estavam empregados. Torrent também deu abertura para que o Flamengo insira em sua comissão técnica profissionais próprios, coisa que Jorge Jesus rechaçou.

—Ele compreendeu a grandeza do Flamengo e do projeto. Quis fazer história aqui. E mostrou humildade de reconhecer o valor dos atletas e do trabalho feito. Além de indicar um processo de mudança com o intuito de evoluir ainda mais. Esses aspectos pessoais foram importantes — revelou o diretor Bruno Spindel.