A Libertadores sempre carregou o estigma de ser uma competição violenta. Neste mesmo cenário, os brasileiros eram vistos com certo desdém por privilegiarem a tecnica ao inves “da raça”. Ate que o Flamengo apareceu para contrariar as estatísticas e mudar em cenário em 1981. Mas não foi fácil. Antes de surpreender a América, o rubro-negro precisou vencer pedras, violência e um Cobreloa motivado por um ditador.
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Junior falou ao GLOBO sobre os bastidores daquelas finais. Desde a vitória no Maracanã ate o título em Montevidéu, passando pelo “incentivo” do ex-presidente Augusto Pinochet resultou no supercílio cortado de Adílio, na orelha ensanguetada de Lico e em muita violência. Porém, nada que impedisse o Flamengo de conquistar a América e posteriormente o mundo — naquele ano.
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— Quando vencemos por 2 a 1 no Maracanã, percebemos o quanto era violento o time do Cobreloa. Em várias situações eles entraram para machucar, principalmente o Zico. Era uma equipe com bons jogadores, mas tinha esse lado, que naturalmente aflorou na segunda partida, em Santiago. O Chile vivia um momento político complicado. O então presidente Augusto Pinochet compareceu ao jogo, pegou o microfone do estádio e disse que o Cobreloa era a pátria de chuteiras. O resultado foi o supercílio do Adílio e a orelha do Lico cortados por um artefato que até hoje a gente não sabe se era uma pedra ou um anel — conta Junior, que atualmente é comentarista do Grupo Globo.
— Eu mesmo sofri um pisão no segundo tempo, além de toda a intimidação muito antes do jogo. Fomos para o terceiro e decisivo jogo pensando única e exclusivamente em jogar futebol, porque era o que a gente sabia fazer. Em Montevidéu, fizemos uma partida impecável, vencemos por 2 a 0 e poderia ter sido mais, porque lá eles não tiveram a oportunidade de serem tão violentos como nos dois primeiros jogos — completou.
Confira as reprises do Flamengo
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16H – Flamengo 2 x 1 Cobreloa-CHI – 1º jogo da final da Libertadores
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17H – Cobreloa-CHI 1 x 0 Flamengo – 2º jogo da final da Libertadores
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18H – Flamengo 2 x 0 Cobreloa-CHI – 3º jogo da final da Libertadores
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19H – Liverpool-ING 0 x 3 Flamengo – Final do Mundial de Clubes
Dá para analisar as dificuldades de 1981 e comparar com as de agora?
Os jogos mais difíceis foram contra o Atlético-MG que, assim como o Flamengo, tinha cinco jogadores da seleção brasileira. O grupo terminou empatado e precisamos de um jogo desempate no Serra Dourada, em Goiás, que terminou mais cedo pelas várias expulsões de jogadores do Atlético-MG. Em 2019, a maior dificuldade do Flamengo talvez tenha sido o jogo contra o Emelec-EQU, por ter sido derrotado no Equador e chegado ao Maracanã precisando reverter o resultado, o que só conseguiu nos pênaltis. Os demais jogos foram mais tranquilos.
Jogou a final contra o River Plate-ARG, um time extremamente capacitado, habituado com o seu treinador e que realmente colocou o Flamengo em dificuldade em Lima. Da mesma maneira que o Flamengo fez sua melhor partida em Porto Alegre, na final fez os seus piores 87 minutos do ano. Não conseguiu se encontrar em campo e, somente no final, conseguiu fazer dois gols de uma forma incrível, com o Gabriel sendo o grande protagonista.
Como você avalia o legado que a geração deixou?
O legado não foi só da geração de 1981. Prefiro falar de 1978 até 1983, porque neste período foram três Campeonatos Brasileiros, vários Campeonatos Cariocas, Libertadores e o Mundial. Foi um momento de afirmação do clube, porque quando se passa seis anos ganhando, você traz uma quantidade muito grande de torcedores. Acredito que neste período a torcida do Flamengo teve um crescimento muito grande. Mesmo os torcedores adversários reverenciavam aquele time e alguns iam ao estádio para se divertir e ver um futebol de qualidade. Do time de 1981, apenas o Lico não teve passagem pela seleção brasileira.
Acha que os jogadores atuais do Flamengo têm um sentimento muito diferente do que a sua geração teve na final?
São momentos completamente diferentes. Nós éramos uma equipe que estava junta há bastante tempo e com uma identificação muito grande com o Flamengo, assim como o time atual.. Sem dúvida esses jogadores mereceram toda essa consagração, pelo futebol que jogaram durante os seis meses, desde a chegada do Jorge Jesus. Ele conseguiu dar ao time um padrão de jogo que poucas equipes do Brasil tiveram nos últimos anos.
Ao vencer em Montevidéu, Zico disse que foi uma vitória do futebol contra a violência. Você concorda?
O Zico está coberto de razão, porque terminou sendo a vitória do futebol em cima da violência. Ainda mais aquele futebol que o Flamengo apresentou, vistoso, de toque de bola, envolvente.
Seus filhos costumam perguntar sobre os títulos de 1981? Do que você mais gosta de contar?
O Rodrigo, meu filho mais velho, que acompanhou a final em Lima, no Peru, é muito ligado a futebol. Ele sempre pergunta alguma história, o que aconteceu durante as finais, principalmente em Santiago. No percurso do hotel até o estádio, com o trânsito parado e os torcedores chilenos batendo no ônibus. Aqueles problemas que aconteciam na Libertadores nos anos 70 e 80.

Você imaginava que se tornaria um dos maiores ídolos da história do Flamengo?
Primeiramente eu nem imaginava virar um jogador profissional. Depois, virar um jogador profissional do Flamengo. Sou o recordista com 876 partidas disputadas, ao longo das minhas duas passagens pelo clube: os 10 primeiros anos e depois os outros quatro, quando voltei da Itália. Imaginar nunca imaginei, mas acredito que todo o reconhecimento da torcida tenha sido pelo meu comportamento dentro e fora do campo, Principalmente por conta dos títulos conquistados. Tenho um carinho muito grande pelo título Brasileiro de 1992, por ter sido o último remanescente da geração de ouro. Para mim foi especial ter podido comemorar com o meu filho, no estádio, já com 38 anos. Aquela conquista foi a cereja do bolo para o meu final de carreira.
O que você aconselharia os torcedores a prestarem atenção nas reprises?
Essas reprises do SporTV são bastante interessantes. Aqueles que não tiveram a oportunidade de assistir ao vivo em 1981 e escutam muito falar, poderão avaliar as semelhanças e fazer comparações daquele time com o que conquistou a Libertadores no ano passado. Sem olhar muito para o lado individual, outro ponto que vale prestar atenção nesta reexibição é como o time de 1981 jogava coletivamente. Vai ser legal ver como se movimentava um time que há 40 anos jogava de uma forma que ainda hoje é moderna