MONTEVIDÉU — Para os uruguaios, a final da Copa Libertadores da América entre Palmeiras e Flamengo parece algo distante da realidade. Com ingresso custando pelo menos US$300 para os locais (o equivalente a 12.840 pesos ou R$1.360) e boa parte do entorno do estádio fechada há dias, a atração acaba ficando restrita a turistas e a cidadãos com bastante poder aquisitivo.
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— Os jogos que estão acontecendo aqui (em referência também ao do sábado passado, quando Athletico Paranaense e Bragantino se enfrentaram pela final da Copa Sul-americana) mudaram, de diferentes maneiras, a minha rotina e a de muitas pessoas, sejam de projetos sociais, atividades esportivas não profissionais, para o uso recreativo do parque. Não são mudanças dramáticas, mas podiam ser minimizadas com melhores avaliação e planejamento das atividades. Para que fechar tanto espaço e com tanta antecedência? — questiona Carlos Bruno, de 52 anos, que faz parte do coletivo ‘Liberá tu Bicicleta’, que recebe, ajuda a reparar e entrega bicicletas de forma gratuita todos os sábados nos arredores do Estádio Centenário, palco da decisão continental deste sábado.
A tosadora Valentina Barnada, de 32 anos, que trabalha na região, comenta que viu uma movimentação mudar no sábado anterior, com ruas fechadas e sem trânsito de pessoas. Em sua visão, para quem mora pelos arredores, esse pode ter sido um complicador, já que inclusive alguns comércios decidiram fechar por conta da diminuição de clientes. Além disso, não ter a chance de ir à partida também é visto como um ponto negativo.
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— As entradas estão muito caras. Se estivessem mais acessíveis, muito mais gente iria, como se fosse um passeio familiar. É uma boa partida de futebol, os uruguaios iriam assistir. Quem não gosta de um bom jogo de futebol? Mas com esse valor é difícil — explica Valentina enquanto passeia pelo entorno do estádio com os dois filhos pequenos.
A estudante de Psicologia Núria Silva tem opinião parecida. Ela reconhece que as obras feitas deixaram o Centenário com melhor estrutura e muito mais bonito, porém o preço do ingresso está demasiadamente alto.
— O valor de 20 mil pesos é mais que o salário mínimo de um cidadão aqui no Uruguai (que é de cerca de 17 mil pesos). Pensar que esse é o mesmo preço para ver a final do Flamengo (e Palmeiras) é uma loucura. Nós (uruguaios) gostamos muito de futebol e com certeza gostaríamos de poder estar neste jogo, para ver como ficou o estádio e para ver uma partida deste nível, mas saber que algo tão bonito e familiar, que deveria poder ser aproveitado entre todos, se tornou impossível é uma tristeza. Somado ao valor do ingresso, ainda tem o transporte e o que a pessoa pode querer comer no local. Com isso, o dinheiro vai embora. Para muitos uruguaios, é inviável. Para os locais, que têm a possibilidade de ver um jogo desta magnitude em casa e não podem, é muito triste, mas é a realidade — lamenta a jovem de 19 anos, que gostaria de ir ao estádio com o pai.
Na quinta-feira, portanto, apenas dois dias antes da decisão, a principal agitação nas ruas da capital uruguaia se deu em razão de manifestações pelo fim da violência contra a mulher. Mesmo o jornal “Ovación”, o principal período esportivo do país, praticamente ignorava a partida até esta data.
As obras de remodelação do estádio, que custaram US$6 milhões (cerca de R$33 milhões) são tema de grande debate. Carlos lembra que a reforma foi feita fundamentalmente na parte interna e que tem aspectos irrelevantes para atividades que não envolvam a temática do futebol.
— O investimento foi lindo, mas só aproveitado por contratantes e fornecedores, sem grande relevância em futuras atividades fora do que é o futebol profissional. O impacto final ainda é desconhecido. Se for pela experiência do final de semana passado, não compensa o investimento, seja ele federal ou do estado. Talvez venha a se equilibrar com o jogo deste final de semana, que é mais importante. De todas as formas, considero negativo colocar tantos recursos para atividades de pouquíssima contribuição social. Mas bem, a subserviência do governo está na ordem do dia, contra quase qualquer poder econômico — conclui ele, que é sociólogo de formação.