É precipitado dizer, mal ultrapassada a metade do mês de fevereiro, que o Flamengo vai ser Campeão Brasileiro ou que manterá a condição de melhor time do país com sobras. A temporada é uma longa caminhada sujeita a ocorrências como lesões, variações de forma e transferências de atletas. Mas se a Supercopa é uma abertura simbólica do 2020 no futebol do país, a vitória quase protocolar do Flamengo sobre o Athletico-PR ajuda a traçar um retrato do momento.

No Mané Garrincha, o primeiro colocado do último Brasileiro enfrentava o quinto. Mas a forma natural como a vitória foi construída e a percepção da diferença de qualidade técnica indicavam uma distância maior. O time paranaense teve seus momentos de perigo, mas nunca transmitiu a real sensação de que o troféu teria outro destino.

O contexto dos times parece reforçar as distâncias. O encantador campeão brasileiro de 2019, exceção feita à perda do zagueiro Pablo Marí, preencheu lacunas. Trouxe dois defensores com boa reputação no futebol doméstico — Gustavo Henrique e Léo Pereira — e formou um banco de reservas respeitável com Pedro, Michael, Pedro Rocha e Thiago Maia. Já o quinto colocado do último Brasileiro ainda tenta lidar com a perda de sua espinha dorsal, sem o poderio de mercado para um substituição à altura. No fim do ano, além de Léo Pereira, saíram Bruno Guimarães, Marco Ruben e o técnico Tiago Nunes. Em junho passado, o time perdera Renan Lodi. A superioridade técnica do Flamengo atual é turbinada pelo poderio econômico, capaz de atrair um elenco forte e gerar conquistas. Estas trazem mais receitas e realimentam o processo.

A sensação não é tão diferente quando se observa os rivais mais próximos do Flamengo no último Brasileiro — se é que houve algum. O vice-campeão Santos perdeu sua defesa e o técnico Sampaoli; o Palmeiras priorizou enxugar elenco. Só o Grêmio, quarto colocado em 2019, pareceu ter atacado carências no gol, laterais e ataque. Mas ainda não parece ter surgido o fato novo que reverta radicalmente as expectativas.

É perfeitamente possível — e saudável — que ocorra mas, dada a ordem econômica atual, provavelmente a ameaça à hierarquia terá que vir do campo das ideias, dos bons trabalhos. O que exige tempo, o ano mal começou.

Em Brasília, o Flamengo nem fez seu melhor jogo. E talvez isto chame tanta atenção quanto o resultado de 3 a 0. Enquanto o calor permitiu, foi brilhante em sua tradicional pressão ofensiva, impedindo o Athletico-PR de conectar ataques por boa parte do tempo. É curioso como, neste início de 2020, os times brasileiros que o Flamengo enfrentou seguem sem saber lidar com esta arma rubro-negra.

Ontem, o caminho da vitória foi aberto de outra forma: bastou o Athletico-PR permitir que uma passagem do jogo se transformasse em ida e volta, com campo aberto, para que o Flamengo mostrasse o quanto é mortal ao poder acelerar. A mobilidade pelos lados e o entrosamento entre Gabigol e Bruno Henrique se encarregaram do resto. Este último, seja atacando a área para finalizar, seja movendo-se em diagonal para receber em profundidade ou puxando contragolpes em velocidade, vive um momento impressionante.

Há questões ainda a evoluir. A linha defensiva vem sofrendo muito com bolas às suas costas. Pode ter a ver com a adaptação de Gustavo Henrique, ainda pouco condicionado a jogar distante de seu gol, pode ser pela questão física do início de ano, que faz o time oscilar ao negar espaços ao rival no meio-campo. Por falar em físico, a sequência de jogos do início do ano é outro ponto de alerta. Mas o Flamengo inicia 2020 com uma ideia consolidada, um grande elenco e uma taça. É como uma continuação de 2019.

Inovação

Contra o Getafe, o Barcelona de Quique Setién apresentou uma nova solução para tiro de meta nesta era em que a bola não precisa sair da área. Os dois zagueiros ficavam junto ao goleiro Ter Stegen e um deles executava a cobrança, passando a bola ao goleiro. Isto porque, em geral, os adversários optam por pressionar os zagueiros, não o goleiro. Coube a Ter Stegen ter calma com a bola e descobrir a opção de passe. O que fez muito bem.

Hora da empatia

Tão lamentável quanto perceber a escalada das repugnantes manifestações de racismo no futebol europeu é constatar a falta de empatia com as vítimas. Ontem, o malinês Marega, do Porto, decidiu abandonar o campo ao ser alvo de ofensas da torcida do Vitória de Guimarães. No lugar de apoio, teve que enfrentar uma sucessão de agarrões de companheiros de time que tentavam demovê-lo da ideia.

Duro golpe

A punição exemplar ao Manchester City tem dimensão maior do que se imagina. É um momento definidor na regulação das atividades econômicas e da injeção artificial de dinheiro em clubes, criando novos ricos da noite para o dia. Além disso, o City é mais do que um projeto esportivo: é veículo para polir a imagem de um país que tenta estreitar laços econômicos com o mundo. Um dano quase irreárável.