Paulo Sousa sequer pisou no Brasil e muitos já torceram o nariz. Primeiro, porque se criou uma memória afetiva capaz de fazer boa parte da torcida rubro-negra olhar torto para qualquer treinador português que não tenha Jesus no sobrenome. Em especial após o Flamengo alimentar a fantasia de que o campeão da Libertadores em 2019 retornaria.

E depois, há raízes culturais. Julga-se pelo cartel de títulos. E aí surge um dilema com que a elite financeira do futebol brasileiro precisará lidar sempre que buscar treinadores na Europa.

O Flamengo montou um elenco estelar e viu a passagem de Jorge Jesus subir o sarrafo de exigência. Em tese, é natural que se busque uma comissão técnica de excelência, o que nos conduz a um problema.

Cada vez mais se consolida a sensação de que o mercado brasileiro de treinadores não oferece tal excelência com fartura. E quando os clubes mais ricos do Brasil, cercados pela expectativa de brigar por todos os títulos, se voltam para a Europa, há apenas uma certeza: os treinadores de elite, supercampeões pelos gigantes globais, não têm no Brasil uma opção de carreira. Seja por razões econômicas, pela nossa estrutura de calendário ou pela natural tendência a buscarem se provar na elite do jogo. Hoje, por mais rica que seja a elite brasileira, ela ainda faz parte da periferia do futebol global.

Ou seja, tentando saciar a ansiedade de um país que julga profissionais pelo número de taças, nossos clubes buscam a excelência na Europa, mas os grandes campeões do Velho Continente são inacessíveis. É natural que, olhando apenas para títulos ganhos, algumas escolhas gerem frustração, mas o caminho é ajustar as expectativas à realidade. Do contrário, iremos submeter os recém-chegados a um contexto insustentável.

As experiências recentes mostraram que é possível importar profissionais capazes de trabalhos marcantes. Jorge Jesus não frequentava o topo da pirâmide europeia, muito menos Abel Ferreira. Novo técnico do Flamengo, Paulo Sousa está num segmento de mercado acessível, e com características que permitem um ótimo trabalho: tem farta experiência em diferentes culturas e um modelo de jogo atraente e adaptável às características do elenco rubro-negro. Mas não é Jorge Jesus. Adepto de conceitos ligados ao Jogo de Posição, vai precisar, como qualquer treinador, de tempo para implantar suas ideias. Talvez conviva — em parte por culpa do próprio Flamengo — com a sombra de Jesus, embora apenas o gosto pelo jogo ofensivo os una: no mais, são bem diferentes em estilo.

Será vital o Flamengo compreender tais diferenças, o que nos leva à grande lacuna de nossos clubes: quem conduz tal avaliação? Salvo exceções, a escolha dos treinadores e a análise dos trabalhos estão entregues a amadores ou a executivos com perfil administrativo, e não técnico. O Brasil não formou a figura do diretor esportivo. O Flamengo enviou a Portugal um engenheiro com atuação no mercado financeiro e um dirigente voluntário. Foi a eles que Paulo Sousa expôs suas ideias, seu modelo de jogo. O novo técnico tem qualificação e material humano para um ótimo trabalho, embora o futebol não ofereça garantias. Ao Flamengo, após seu acidentado processo seletivo, chegou a hora de ter maturidade ao lidar com o escolhido.