Em 70 anos, o Maracanã ganhou cara nova, encolheu, mas nada tira a grandiosidade de protagonizar uma goleada no estádio. O peso histórico de um placar sonoro ecoa ainda mais quando a rivalidade entra em campo. O extrato dessa sensação talvez esteja nos jogos entre Flamengo e Botafogo, em 1972 e 1981, com um 6 a 0 para cada lado, que ocupam as posições de número 24 e 30 na lista de maiores do estádio, respectivamente.
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Com quase 400 jogos no Maracanã, Andrade, ex-jogador de meio-campo do Flamengo, se delicia ao lembrar do gol marcado aos 42 minutos do segundo tempo, sobre o Botafogo, o último na vitória em novembro de 1981, pelo Carioca. Chamado de “Jogo da Vingança”, a partida representou a forra rubro-negra sobre o clube de General Severiano, que nove anos antes havia massacrado o Flamengo com o memos placar, pelo Brasileiro.
— Toda vez que tinha confronto entre a gente eles levavam uma faixa. A gente ganhava, mas eles sempre lembravam dos 6 a 0 para por panos quentes em cima da derrota deles. E a partir desse dia, essa faixa sumiu. Temos esse jogo como se fosse um título — conta Andrade, camisa 6 do Flamengo na época.
Mais recentemente, o 5 a 0 do Flamengo sobre o Grêmio, pela Libertadores de 2019, mostrou que não são apenas os jogos antigos que trazem a melhor sensação de um jogo de futebol, e alcançou a 23ª posição no ranking. Ela também não se resume aos clubes. Em 2013, o Brasil levou o estádio ao êxtase ao despachar a atual campeã mundial, Espanha, por 3 a 0, na final da Copa das Confederações. Só que não há como haver goleadas sem goleadores. E o maior de todos, Pelé, foi protagonista de Santos 5, Botafogo zero, em 1963, jogo que está na 28 posição.
Equiparar a importância de uma vitória a uma taça levantada é comum no templo sagrado do futebol. Naquele ano de 1981, o Flamengo ganhou Brasileiro, Libertadores e Mundial de Clubes, mas a sensação de alívio começou mais cedo. A ansiedade por devolver o placar acompanhava os jogadores do Flamengo desde 1972. Mesmo com uma nova geração, a protagonizada por Zico, a partir de 74, a goleada seguia marcada na história do clássico. Motivo de chacota, a torcida do Flamengo se arvorou naquele dia no Maracanã de uma forma diferente. E contaminou os atletas.
— Naquele dia em especial a torcida ficou mais agitada, porque viramos com o placar de 4 a 0. No vestiário, comentávamos: “É hoje, é hoje”. Lembro do Junior falando. A gente brincava que aquele grupo tinha o olhar do tigre, de vencedor. Mas voltamos talvez ansioso demais. Só fomos nos encontrar quase com 30 minutos — explica Andrade.
O gol que carimbou a faixa aconteceu depois de uma tabela com Adílio, que cruzou na área para Zico. A bola sobrou quicando, e Andrade acertou o ângulo. Naquele momento, estava exorcirzado o fantasma. Mas veio um apagão.
— Quando fiz o gol, por alguns segundos deu um branco. Não sabia onde estava. Entendi depois que estava no Maracanã lotado, com as pessoas vibrando. Saí de órbita — resume o Tromba, que até hoje é encontrado na rua e lembra que torcedores acreditavam que ele ia isolar aquela bola.
Não menos marcante e popular, a goleada do Botafogo sobre o Flamengo, no dia do aniversário do clube rubro-negro, em 1972, foi o selo de qualidade para a equipe comandada por Sebastião Leônidas. Titular daquele time, Carlos Roberto, que foi treinador do Botafogo campeão estadual em 2006, conta que o “presente de grego” foi inesquecível e comprovou a força do alvinegro:
— Foi a ratificação de um grande time, da superioridade de um time sobre o outro. Era o time a ser batido.
Tratado nos jornais da época como “covardia”, o 6 a 0 teve três gols de Jairzinho, o último de calcanhar. Segundo Carlos Roberto, como o Botafogo viajava em amistosos no fim do ano, estava cansado, e dosou no fim. Caso contrário, ele diz, a goleada poderia ser quase impossível de dar o troco.
— O pessoal pergunta qual foram os jogos importantes. Todas as finais são importantes. Mas aquele ali é peculiar. Contra o Flamengo, Maracanã cheio, 6 a 0, dando um olé. O time não deixava de dar olê. Em algumas ocasiões, para dosar a energia, a gente tocava a bola. Talvez se imprimisse um ritmo de jogo mais intenso, seria muito mais — brinca o ex-jogador, deixando claro a soberba natural depois de uma goleada como aquela.
O chocolate mais recente
Bruno Henrique já havia popularizado o termo “outro patamar” quando o Flamengo eliminou o Grêmio da Libertadores de 2019. A aula de futebol da equipe de Jorge Jesus sobre a de Renato Gaúcho abriu espaço até para o zagueiro Rodrigo Caio se sentir dentro de uma obra divina, após ter contribuído com o quinto gol.
— Trabalhamos para vivenciar esses momentos em nossa carreira. Ter o privilégio de jogar uma semifinal de Libertadores, contra uma grande equipe como o Grêmio, em um dos estádios mais especiais do mundo, é algo muito especial. Posso dizer dizer que sou uma pessoa iluminada por ter participado de um jogo como esse — descreveu.
O Maracanã deu ao Brasil a chance de retornar ao posto de protagonista e favorito a uma Copa do Mundo na vitória sobre a Espanha, em 2013, com gols de Neymar e Fred. Mas foi o goleiro Julio Cesar quem deixou claro o empoderamento que o resultado proporcionou.
— O futebol tem uma hierarquia. O Brasil é cinco vezes campeão. Mas eles não tiveram oportunidade de jogar contra o Brasil nas outras competições em que foram campeões. Agora sabem o que é jogar contra o Brasil — disse.