Meu amigo Antonio me mandou um e-mail. Ele é jornalista — e peladeiro dos bons —, mas escreveu na condição de torcedor (rubro-negro doído, foi como se definiu naquele momento). Sugeriu uma comparação entre Flamengo e Liverpool, finalistas do Mundial de Clubes de 2019. Para ambos, as temporadas seguintes não foram de repetição das grandes conquistas. Mas enquanto um perdeu seu treinador e já demitiu os três que vieram depois dele, o outro manteve o trabalho. E há outra diferença fundamental entre Jorge Jesus e Jürgen Klopp: este último levou cinco anos até levantar seu primeiro troféu. Enfim, o raciocínio caminhava para discutir a paciência que sobra lá e falta aqui. Mas o e-mail do Antonio tinha um PS, que reproduzo aqui com autorização dele:

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“PS: Como sou torcedor e não preciso de coerência nenhuma, comemorei a queda do Renato, assim como tinha comemorado a do Ceni e do Dome. Eu quero padrão europeu, desde que o Flamengo ganhe sempre. Falta só combinar com a realidade.”

Pois é. Sem desmerecer o que veio antes, é aqui que está o ponto: a quem cabe essa coerência que o Antonio não quer ter? Os dirigentes muitas vezes se comportam como torcedores, e mesmo quando não o fazem precisam lidar com pressões muito difíceis de administrar. Quem assistiu ao terceiro capítulo de “Acesso Total Botafogo” ouviu, mais do que viu, a reação dos membros de uma organizada ao saberem que Marcelo Chamusca não seria — ainda — demitido. O estacionamento do Nilton Santos virou arquibancada. E, para aumentar a convicção de quem reclamou, Chamusca caiu e o Botafogo subiu.

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No mesmo encontro, os torcedores ficaram desapontados ao saber que a solução que imaginam ser a mais eficiente para resolver os problemas financeiros do Botafogo (que deve mais de um bilhão e demitiu 90 funcionários para tentar estancar um gasto diário de R$ 22 mil para manter seu estádio aberto) ainda demora — a transformação em SA. E aqui vale outra comparação curiosa com o futebol inglês, e dá até para usar o mesmo Liverpool como exemplo: lá, quando um clube é comprado por investidores estrangeiros, a primeira reclamação que surge da torcida é de que ela deixa de ser ouvida. Decisões como a de demitir um treinador passam longe da arquibancada, e são tomadas por executivos que jamais abrem suas salas para reuniões com aqueles a quem chamam de clientes ou consumidores.

Nem lá nem cá está bem resolvida a relação do torcedor com o processo decisório dos clubes. O dinheiro deles, seja em reais ou libras, todo mundo quer. Mas qual o canal para expressar uma opinião sobre o trabalho da diretoria: virar sócio, exigir direito de voto como sócio torcedor, entrar para uma organizada ou apenas expressar a frustração na arquibancada? Todas as opções anteriores exigem algum gasto — torcer está ficando cada vez mais caro. A quem não tem esse dinheiro, resta acompanhar os jogos nas transmissões abertas e opinar nas redes sociais.

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Não sei se o Antonio aderiu ao tuitaço por Marcelo Gallardo ou se é dos que acham que só a volta de Jesus salva — isso ele não escreveu no PS. Mas acho muito difícil que a diretoria escolhida por poucos milhares de sócios neste sábado consiga deixar de ouvir o barulho das hashtags.