Maurinho brinca com pegadinha de 1º de abril da torcida do Fla: “Fase boa”

Estádio Nabi Abi Chedid, Bragança Paulista (SP). Por volta das 11h, Maurinho recebe a equipe do GloboEsporte.com e a leva ao setor das cadeiras cobertas. Enquanto os equipamentos são ajustados para dar início à gravação, dois atletas do Bragantino observam a cena do gramado e entoam: “ão, ão, ão, Maurinho é Seleção!”. Ele abre um sorriso, discreto. Semblante de quem já se acostumou a ouvir esse coro. Ou melhor, essa pegadinha da torcida do Flamengo que marcou a passagem dele pelo time entre 1997 e 2002.

Era 1º de abril de 2000. Flamengo e Olaria se enfrentariam no Maracanã, pelo Campeonato Carioca daquele ano. Em campo para mais uma partida pelo rubro-negro, Maurinho escutou a torcida gritar o coro. Na hora, garante não ter se empolgado. O motivo? A própria torcida do Fla cantou na sequência: “il, il, il, primeiro de abril”. Era Dia da Mentira. E os torcedores usaram a data para brincar e, ao mesmo tempo, cutucar o atleta contestado por parte dos flamenguistas.

Dezessete anos depois, como pode se ver, o coro ainda é lembrado. Mas muita coisa mudou na vida de Maurinho, agora com 42 anos. Após encerrar a carreira como jogador, passou a mirar o cargo de treinador. Foi auxiliar de Athirson e Petkovic no São Cristovão e no Criciúma e Sampaio Corrêa, respectivamente. Hoje, é auxiliar técnico do Bragantino. O clube paulista está na disputa do Campeonato Paulista da Série A2 (equivalente à segunda divisão do estado) e, no segundo semestre, disputará o Brasileiro da Série C.

O que não mudou, segundo Maurinho, é a forma como encara esse coro de 1º de abril. Desde o dia em que escutou pela primeira vez, assegura ter interpretado com bom humor. Ele explica:

– Aquilo ali era a fase boa, de gozação. Porque na fase ruim, que antecedeu os títulos, os caras fechavam saída de vestiário, quebravam carros. Essa era uma fase boa. Os cariocas gostavam de sacanear, tirar sarro. Dizem que eu acenei (ao ouvir o primeiro coro). Mas é mentira. Claro que eu sabia. Pô, num jogo de 1º de abril, os caras começaram a
gritar “Maurinho é Seleção”, no primeiro minuto de jogo. Foi um
momento bom, início de uma virada da pressão para um momento de apoio. Nós
víamos a torcida sacaneando todo mundo sempre – relembrou.

Com a camisa do Flamengo, Maurinho fez 209 jogos e marcou dez gols. Um deles, inclusive, sobre o Real Madrid, na semifinal do torneio de Palma de Mallorca de 1997, que o rubro-negro venceu por 3 a 0. Agora com a meta de se tornar treinador, ele sonha dirigir grandes equipes. E mesmo com essa brincadeira da torcida do Fla, retornar ao time da Gávea, como comandante, é algo que ele não descartaria.

– Chegar em um time grande, é a
meta. É igual jogador: primeiro, eu queria ser jogador. Depois, comecei a mirar
uma grande equipe. Chegando em uma grande equipe, você quer chegar na seleção.
A proporção é a mesma. Só que com menos ilusão. Jogador, você acredita muito
mais nas coisas. Como treinador, agora, depois de 20 anos, você acaba sabendo
muito mais como chegar. A meta é um dia ir atrás de conquistas, que é o que mais
interessa no final – disse.

No bate-papo que começou com o coro “ão, ão, ão, Maurinho é Seleção!”, Maurinho falou não somente da pegadinha. Relembrou momentos da passagem pelo Flamengo, a relação com Romário, seu companheiro de concentração, a época como jogador do Bragantino e a preparação para ser treinador. Confira abaixo como foi essa conversa.

Queria que você falasse um pouco do trabalho como
auxiliar. Você sonha ser treinador?

Sempre pensei depois de parar em continuar trabalhando com
futebol, a princípio, como treinador. Fui jogar em Portugal na segunda divisão, já
pensando em fazer um curso de treinador da Uefa. Mesmo jogando, eu já vinha me
preparando. Também comecei a fazer educação física, mas não terminei, porque
conciliei muitos trabalhos. Trabalhei com o Athirson, que jogou comigo no São
Cristóvão. Depois, trabalhei com o Pet no Criciúma e Sampaio Corrêa. O Alberto
me convidou agora para o Bragantino, que é minha segunda casa. Pulei muitas
etapas do que planejei porque as oportunidades vieram antes. O pensamento é
continuar trabalhando. Sempre disse que oportunidade, a gente não dispensa. É
sempre amigo. O convite é feito mais pela amizade, mas o intuito é amanhã ou
depois ser treinador. Mas sem pressa, quando eu achar mais adequado.

Você trabalhou com o Athirson e com Petkovic. Como foram
essas experiências?

O Athirson, nós trabalhamos no São Cristóvão. Era Segunda
Divisão do Rio. Era um time que sabíamos que não tinha nada de condições.
Salário atrasado. Sabíamos que não receberíamos e fomos por ser um pontapé do
que queremos. Depois, fui para o Criciúma, um clube que te dá todas condições
de trabalhar. CT com seis campos. Tudo certo, impecável. Foi uma experiência da
água para o vinho. Depois fomos para o Sampaio, um novo mercado. Tudo isso é
informação que vou colhendo, vendo o que cada treinador pensa, o que cada treinador
pede. Hoje penso como comissão, não mais como jogador. Toda experiência que
tive como técnico, além dos 17 anos que tive como jogador, tudo isso soma.

Você teve uma passagem marcante pelo Flamengo. Você ainda
sonha voltar para lá?

Passei por cerca de 10 times. Os que mais marcaram foram
Flamengo e Bragantino. O Bragantino foi onde iniciei tudo, fiz minha base,
tinha toda expectativa se ia ser jogador ou não ia. E o Flamengo por ser o
maior clube que joguei. Todos os títulos que tenho como profissional são no
Flamengo, todos os jogadores e treinadores de nome com quem joguei, foram no
Flamengo. E a identidade que criei lá foi muito grande. Sofri uma pressão muito
grande, que se tornou apoio da imprensa, da
torcida e de todos. Costumo dizer que o contexto dos seis anos que
passei no Flamengo são 80% de alegria e 20% de pressão. Muita gente só lembra
da pressão, que foi grande. O que tive no futebol, o que me lembram é do
Maurinho, do Flamengo.

No começo, teve bastante pressão. Como você lidou sendo que
ainda era novo?

Eu fui com 22 anos e a experiência que eu tinha de futebol
era Bragantino. Você vê que extrapola o campo. Aqui no Bragantino, a gente saía
de um jogo, conseguia sentar e tomar uma coisinha com os amigos. Lá, a fase
estava ruim. O Vasco, principal rival, vinha na fase de campeão de
Libertadores. Foi juntando o maior rival em uma das melhores fases e a gente
em uma sequência de vice-campeonato.

Quando cheguei, fizemos uma boa Copa do
Brasil, fomos à final e tivemos mais um vice. Aquilo foi um divisor de águas,
a pressão veio com tudo. Senti, mas depois vai passando e você vê que a pressão
é grande, mas não passa daquilo. Chega um momento em que você pensa: ou você
faz dentro de campo para mudar a situação ou você sai do time. Você se
concentrava no trabalho, no treino, que consequentemente vinha o resultado. E veio. E
quando veio, veio com tricampeonato carioca em cima do Vasco, Mercosul, Copa
dos Campeões Mundiais. Então quando veio, veio com regularidade de jogos e títulos.

Você chegou a marcar gol no Real Madrid. Como foi? (assista ao gol no vídeo acima)

Fomos jogar um torneio de verão em Palma de Mallorca (1997). Saímos
de Belo Horizonte em um jogo que vencemos o Atlético-MG por 4 a 2 e eu fiz um
gol. Saímos do Brasil, estava falação de fazer gol, quando cheguei para jogar
com o Real Madrid, fiz outro. Naquele
jogo, fiz dois ainda. O árbitro anulou um gol, mas eu não estava impedido. Quem
estava, era o Renato Gaúcho. Foi uma jogada, se não me engano, que o Sávio
entrou em diagonal, chutou para o gol, o goleiro espalmou, eu vinha atrás da
linha da bola e completei para o gol. Todo mundo lembra, né? Eu brinco com o
Pet que ele jogou no Real Madrid, mas não fez gol no Real Madrid. Eu fiz.

Eu não fiz muitos gols, mas sempre fui um
cara de sorte. Marquei gols em jogos televisionados, contra grandes equipes. Os
principais grandes do Brasil, eu fiz gol. Fiz dois no Flamengo, fiz no
Atlético-MG, São Paulo. Acaba que são poucos, mas eram jogos televisionados.
Aqui no Bragantino, teve um ano que eu fui para minha cidade, um amigo chegou
para mim e falou: “fez gols demais nesse ano”. Eu fiz quatro. Mas os
quatro foram em jogos televisionados. Joguei 35 jogos, fiz quatro gols. Só
passava jogo sábado à tarde e quando jogava contra time grande.

Você foi como meia e depois passou para a lateral. Como
foi essa mudança?

Joguei como segundo volante. Até 1999, sempre fui opção na
meia. Até que na semifinal da Mercosul, o Pimentel, que era o lateral titular
machucou. O Fábio Baiano, que estava de volante, não quis ir pra lateral. E o
outro lateral era um garoto da base que estava subindo. Por ser contra o Peñarol,
não sabíamos se ele ia aguentar a pressão. Então me colocaram na lateral porque
eu corria muito. Joguei a semifinal, depois fomos para a final, o Pimentel não
recuperou e eu continuei. o primeiro jogo, ainda fiz um gol. A coisa aconteceu.

Aí virou o ano. Contrataram um peruano, Jorge Soto, se não me
engano. A documentação dele não ficou pronta a tempo. Nessa que demorou, vai
ficando o Mauro na lateral até ele ter condições de jogo. Aí o Carlinhos, treinador, me perguntou: quer ir pro
meio ou continuar na lateral? Aí falei que queria ir para o meio. Ele disse que
no meio, eu seria banco. Aí falei que ia querer a lateral. Terminou a Taça Guanabara e fui pro meio. Aí o peruano foi para a seleção e voltei para a
lateral. Fomos campeões de novo. Foi tudo meio assim.
Começou o brasileiro, teve pressão por contratarem um cara que não jogava.
Negociaram ele e eu virei o lateral.

No final das contas, como você acha que teria sido sua história
no Flamengo se tivesse se mantido no meio?

Teria sido bem mais curta. O Flamengo sempre tem jogadores,
tecnicamente em um nível muito alto. Eu joguei no Flamengo com Romário, Zé
Roberto, Palhinha, Rodrigo Fabri, Alex. Mesmo que sejam jogadores que não foram
bem no Flamengo, mas tecnicamente, estão em um patamar acima dos outros. E
quando você joga com caras em um nível tão alto, como Pet, aí demonstra a
diferença técnica.

Na lateral, já era diferente. Na época, ainda havia poucos
laterais no mercado. Ali, com a força que eu tinha de correr e jogar, consegui
ficar seis anos no Flamengo porque virei lateral. Vou citar o Márcio Araújo. Ele sofre uma crítica no Flamengo, que eu
discordo plenamente. Acho que ele joga um futebol muito mais tranquilo, mas
muito mais efetivo para ajudar o Flamengo. Reclamam que ele toca de lado. Mas o
que ele faz, ninguém faz com essa regularidade.

Foi como lateral que também teve a brincadeira da torcida que acabou pegando, contra o Olaria, de 1º de abril.

Não lembro se era contra o Olaria. Mas lembro que vencemos (2 a 0) e
eu estava muito bem no jogo. Eu falo, aquilo ali era a fase boa. Era uma fase
de gozação, era 1º de abril. Porque a fase ruim, que antecede os títulos, que
os caras fechavam saída de vestiário, quebravam carros. Essa era uma fase boa,
os cariocas gostavam de sacanear, de tirar sarro. Dizem que eu acenei. Mas isso
é mentira. Claro que eu sabia, pô num jogo de 1º de abril, os caras começaram a
gritar “Maurinho é Seleção”, no primeiro minuto de jogo. Foi um
momento bom, início de uma virada da pressão para um momento de apoio. Nós
víamos a torcida sacaneando todo mundo sempre.

A história é de que você acenou, e aí eles começaram “il,
il, il, primeiro de abril”. É lenda?

Isso aí você pode buscar imagens que é lenda. Nem olhei. Mas
quando falo que é fase boa, é porque antes dos jogos, a torcida fazia a
escalação do time titular e cantava. Na fase ruim, eles faziam a escalação do
time titular e pulavam meu nome. Falava um que estava no banco que queriam no
time titular (principalmente do atacante Caio Ribeiro). A diferença da fase boa para fase ruim é isso.

Então teve uma fase em que a torcida não cantava seu nome?

Juntou um maior rival ganhando tudo, nós perdendo as finais dentro
do Maracanã, além de uma sequência de outros fatos. Teve uma fase que, sem
citar nomes, os jogadores mais pressionados foram emprestados e só ficou eu. No
momento que eu fiquei, era porque estava titular e tive apoio dos jogadores. Ou
seja, uma combinação de fatores que culminou em uma pressão maior.

E o que você achou da brincadeira? Hoje, te conhecem pelo
primeiro de abril. Como você lida com isso?

Não tenho problema nenhum. Isso não me afetava. Já vinha uma
fase boa. Teve um outro jogo mais para a frente que pediram para eu bater um
pênalti. Eu bati e errei um pênalti. E foi um jogo que nós vencemos, eu estava
bem. Tinha Pet no campo, tinha um monte de gente e pediram para eu bater. O que
eu falo quando conto essa história, que eu fico triste porque queria retribuir
o carinho naquele pênalti. Eu bati e o goleiro pegou. E bati bem, tanto que o
goleiro espalmou e foi para escanteio. Difícil um pênalti ir para escanteio. Se
tivesse feito o pênalti, ninguém lembraria, porque seria um pênalti batido e
feito. Eu brincava que era jogo do marketing.

Também teve a história do Romário te pedir a seleção. Como é
que foi?

Foi em um momento que na seleção só estava o Cafu e vários
jogaram pela seleção e não se firmavam. O Cafú era titular mesmo. Estavam
criticando ele, mas para nós jogadores, o Cafu era o dono da posição e seria
por um bom tempo, como foi. Mas o segundo da posição estava sem. Em uma
entrevista com o Romário, alguém perguntou quem poderia ser o titular da
posição e ele citou meu nome. Naquele momento, é o que eu falo, futebol sempre
é momento. Eu era o titular de um time campeão, vinha ganhando títulos e eu fui
citado. Tanto é que o outro lateral que foi citado e acabou indo foi o
Belletti. Que também era meia e virou lateral porque não tinha.

Como era o Romário no dia-a-dia?

Romário era muito na dele. Chegava sempre sozinho, treinava,
brincava. Tinha dia que não falava. Ele tem uma personalidade forte demais e
mantinha uma distância. Eu ainda tinha uma amizade boa. Eu concentrava com ele
e era ele quem escolhia o parceiro da concentração. Eu tive um
relacionamento muito bom com ele. Considerava um grande amigo. Mas
ele é um daqueles ídolos que tem suas particularidades. Isso é normal, assim
como outros grande jogadores com quem joguei também tinham.

Tem alguma história que você lembra com ele?

O Romário é um cara que em 1994, eu estava subindo para o
profissional, e ele foi campeão do mundo. E dois, três anos depois, eu estava
trocando de roupa para treinar com ele. Uma coisa que eu posso falar é que nos
meus primeiros treinos, quando cheguei no Rio, Romário foi um dos primeiros que
estendeu a mão para me cumprimentar. Essas coisas, lembro muito bem. O negócio
dele era fazer gol de qualquer forma. Lembro que se a gente estava ganhando de
5 a 0 e tocava a bola para ganhar tempo, ele ficava maluco. Ele sempre dizia
que se ganhar de 10, você não está desrespeitando ninguém. Uma vontade de fazer
gol que nunca vi em outro jogador em hipótese alguma.

Tem treinadores que você se espelha?

Eu fui para Portugal jogar a Segunda Divisão porque já
pensava em ser treinador e queria conhecer uma nova cultura. Aproveitei para
fazer um curso. Quando voltei, fiz outros cursos. Eu praticamente me formei
pela minha experiência no futebol. Eu penso de futebol um pouquinho de tudo que
eu vivi. Mas aqui no Rio, eu fui trabalhar em uma franquia no Barcelona. E me
apaixonei. Achei que ia ficar seis meses, acabei ficando três anos.
Praticamente, eu mudei tudo que eu pensava nesses três anos. Hoje o que eu acredito
muito de futebol está moldado nesses 21, 22 anos de futebol.

Tem um técnico que reúne todas as características que você
gosta?

Ia citar o Tite. O Tite tem uma tranquilidade para falar com
jogador, com a imprensa, com a torcida, que eu acho que é um padrão que vai se
seguir. O Tite está mostrando que dá para conviver bem com tudo isso. Eu acho
um fenômeno. Nunca trabalhei com ele, mas ele segue uma linha que eu acho que
eu seguiria. Depende do contexto. Mas assim, os resultados dizem tudo. Os times
que ele passou, a regularidade que ele manteve de títulos de vitórias, os
amigos que ele deixa nos clubes. Isso mostra o tamanho que o Tite é e acho que
está se mostrando cada vez maior.

Tem algum sonho que você queira atingir? Tem uma meta?

Quero voltar a ser campeão. Seja estadual, brasileiro, seja
o que for. Agora como auxiliar, quero ser campeão. O sonho é ser vencedor.
Aquele gosto quando acaba o jogo e você fala que é campeão, aquela sensação até
receber a medalha, isso é o que mais sinto saudade. A competição. Se
perguntarem se tenho saudade de jogar, mais ou menos. Agora, competir, a
rivalidade, isso que me fez não sair do futebol. E mesmo como treinador, eu
busco competir e ser campeão em algum momento da carreira e dizer que fui
vitorioso também como treinador.

Fonte: http://globoesporte.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2017/04/maurinho-brinca-com-pegadinha-de-1-de-abril-da-torcida-do-fla-fase-boa.html

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