Noitada, pancadaria, 7 a 0, herói improvável… Histórias do último título internacional do Flamengo

Esporte Espetacular relembra final da Mercosul de 1999

Começou a semana mais esperada pelo Flamengo dos últimos 38 anos. Daqui a quatro dias, o time de Jorge Jesus decidirá contra o River Plate, da Argentina, a primeira final de Libertadores em jogo único com campo neutro. Em Lima, capital do Peru, o Rubro-Negro que está perto do hepta campeonato brasileiro vai tentar voltar a conquistar um título internacional. Você sabe quando foi a última vez?

Se pensou no ano mágico de 1981… errou. Depois de conquistar a Libertadores e o Mundial naquela temporada, o Flamengo levantou mais dois troféus em competições oficiais organizadas pela Conmebol: a Copa Ouro de 1996 e a Mercosul de 1999, que completa 20 anos no próximo dia 20 de dezembro. E nesta semana em que o jejum pode acabar, o GloboEsporte.com relembra as histórias e curiosidades daquele título justamente em cima do Palmeiras, seu maior concorrente na atualidade.

Também era líder do Brasileirão

Capa do jornal "O Globo" de 27/09/99 após Flamengo 5 x 2 Vitória — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

Qualquer semelhança com a campanha atual é mera coincidência. Em 1999, o time também chegou a liderar o Campeonato Brasileiro junto com o Corinthians, mas despencou na tabela a partir de outubro. Era o primeiro ano da gestão do presidente Edmundo Santos Silva em tempos de "vacas-magras". A equipe ainda tinha o craque Romário, contratado no centenário do clube em 95, mas devido a uma crise financeira tinha dificuldades em buscar reforços de peso no mercado. Jogadores como Viola e Zinho receberam propostas e recusaram o Rubro-Negro.

Com isso, o elenco acabou formado por muitos jovens. Pratas da casa como por exemplo Athirson, Juan e Reinaldo, ou formados por outros clubes como Rodrigo Mendes e Caio Ribeiro. A química com nomes mais experientes como Célio Silva e Clemer funcionou: foram campeões do Carioca, começaram bem o Brasileiro, mas a coisa desandou na reta final. Em uma época onde os oito primeiros colocados decidiam o título em mata-mata, o Flamengo não conseguiu se classificar e também perdeu na seletiva que daria vaga na Libertadores. Restava a Mercosul, disputada no segundo semestre, para salvar o ano.

Classificação foi por um fio

Os gols de Flamengo 7 X 0 Universidad de Chile

A Mercosul começou para o Flamengo no dia 27 de julho, com uma vitória por 2 a 1 sobre o Olimpia, do Paraguai, no Maracanã. Na rodada seguinte, goleou o Colo-Colo no Chile por 4 a 0 e parecia que iria sobrar naquele Grupo E. Mas o Rubro-Negro perdeu os outros dois jogos fora de casa, 2 a 0 para a Universidad de Chile e 3 a 1 para o Olimpia, e ainda tropeçou em casa no reencontro com o Colo-Colo, em partida que abriu 2 a 0, perdeu um caminhão de gols e cedeu o empate nos minutos finais.

Com cinco grupos na competição, só os três melhores segundos colocados passavam de fase, e a liderança da chave rubro-negra já era a essa altura do Olimpia. Caindo pelas tabelas no Brasileiro, restava ao Flamengo ganhar e fazer saldo diante da La U no Maracanã para seguir na Mercosul. Dito e feito: no dia 7 de outubro, o time aplicou uma goleada de 7 a 0 com show de Romário (veja no vídeo acima) e tomou a vaga que estava ficando para o temido Boca Juniors, da Argentina.

Jogar na Argentina com nove

Os lances de Independiente 1 x 1 Flamengo

O adversário nas quartas de final era o Independiente, da Argentina, carrasco do Flamengo na final da Supercopa da Libertadores de 95. Se jogar no país rival já é difícil no 11 contra 11, imagina com nove? Em Avellaneda, o Rubro-Negro perdeu Beto expulso, ainda no primeiro tempo, e Reinaldo, que caiu na catimba, aos 25 minutos da etapa final. Mesmo em desvantagem, o time abriu o placar com Fábio Baiano, tomou o empate depois, mas foi heroico ao segurar a pressão (veja no vídeo acima).

O empate permitia ao Flamengo se classificar com qualquer vitória, por mais magra que fosse. Mas Romário e companhia quiseram dar o troco pela perda do título quatro anos antes e atropelaram os argentinos no Maracanã. Em menos de 35 minutos, já estava 3 a 0. Com mais um no segundo tempo, os rubro-negros fecharam o caixão com direito à goleada. Leandro Machado fez dois, Fábio Baiano marcou um, e Romário fez outro – foi o oitavo e último gol do atacante, que terminou como artilheiro.

O fim da "Era Romário"

Em 1999, presidente do Flamengo rescinde contrato de Romário

Quarto maior artilheiro da história do Flamengo, com 204 gols, o Baixinho não teve chance de fazer mais no torneio porque não jogou a semifinal e final. Por quê? Foi mandado embora. Isso mesmo. Naquele fim de ano, o clima já não estava bom para o atacante, que tinha a receber uma dívida de aproximadamente R$ 9 milhões do clube e batia de frente com o superintendente de futebol, Gilmar Rinaldi, e o presidente, Edmundo Santos Silva. Mas a gota d'água foi a famosa noitada de Romário e mais quatro jogadores (Fábio Baiano, Leandro Machado, Maurinho e Marcelo Ramos) após uma derrota para o Juventude.

Foto de Romário na noitada em Caxias do Sul no jornal "O Globo" de 14/11/99 — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

No último jogo da fase de classificação do Brasileiro, o time perdeu por 3 a 1 em Caxias do Sul (RS) e lá ficou até enfrentar o Inter no Beira-Rio, pela seletiva da Libertadores. O quinteto fugiu da concentração e foi para a noitada, e uma foto do Baixinho ao lado da rainha da Festa da Uva se espalhou pelos jornais do país. Além disso, a presença de garotas de programa durante a madrugada no hotel irritou a diretoria, e Romário pagou o pato. O craque acabou indo para o Vasco, e Edmundo Santos Silva respondeu anunciando a parceria com a "ISL", empresa suíça que prometia injetar craques e dinheiro no clube.

A batalha de Montevidéu

Os gols de Peñarol 3 x 2 Flamengo

Sem Romário, Caio herdou a camisa 11 e passou a ser titular absoluto do time, que chegou a se refugiar na Granja Comary por conta da crise. Além de toda a turbulência extra-campo às vésperas da semifinal, o adversário era o tradicional Peñarol, do Uruguai, que prometia ser uma pedra no sapato rubro-negro. Porém, virou presa fácil no Maracanã: mesmo com a torcida desacreditada e em baixo quórum no estádio, o Flamengo teve uma vitória maiúscula por 3 a 0, gols de Leandro Machado, Maurinho e Lê.

O resultado já dava uma enorme vantagem para a partida em Montevidéu, mas o time mesmo fora de casa chegou a fazer 2 a 1, com gol de Athirson e um golaço de Reinaldo do meio da rua (veja no vídeo acima). O Peñarol buscou o empate e a virada no fim, em pênalti mal marcado pela arbitragem. Os uruguaios venceram por 3 a 2, mas não aceitaram a eliminação e partiram para cima dos rubro-negros com socos e voadoras. Em uma lista das 20 maiores brigas da história do futebol, selecionada pela revista argentina "El Gráfico", a confusão daquele dia ficou em 13º lugar.

Revanche contra o Palmeiras

Os gols de Palmeiras 4 x 2 Flamengo

O adversário na final era nada mais, nada menos que o Palmeiras, então atual campeão da Libertadores e que fez jogo duro contra o Manchester United, da Inglaterra, no Mundial de Clubes poucos dias antes da decisão da Mercosul. Além de super favorito, o Alviverde ainda havia sido algoz do Flamengo nas quartas de final da Copa do Brasil daquele mesmo ano, em dois duelos emocionantes em maio.

No jogo de ida no Maracanã, o empate sem gols persistia até os 32 do segundo tempo. Até Romário perdeu pênalti, mas Caio Ribeiro aproveitou o rebote, e o próprio Baixinho aos 41 fez o segundo. O Palmeiras diminuiu nos acréscimos, mas a vantagem era boa. E ficou ainda melhor quando Rodrigo Mendes abriu o placar no Parque Antárctica e fez o segundo após o adversário empatar. O Alviverde foi buscar de novo a igualdade, mas com o 2 a 2 o Rubro-Negro tinha a classificação nas mãos, podendo sofrer até mais um gol. Só que levou dois depois dos 40 minutos e acabou eliminado.

Herói diretamente do churrasco

Os gols de Palmeiras 3 x 3 Flamengo

Era o momento de ir à forra contra o Palmeiras, e o Flamengo devolveu na mesma moeda logo no primeiro jogo da final. Juan abriu o placar, mas o Alviverde empatou no primeiro tempo e virou no segundo. Caio, então, apareceu duas vezes para igualar o placar em 2 a 2 e 3 a 3 após o adversário marcar o terceiro. O resultado que seria bom para os paulistas durou até os 39 minutos, quando Reinaldo surgiu para decretar a virada para 4 a 3. Vitória que dava a vantagem do empate em São Paulo.

Em sua casa, o Palmeiras saiu na frente, mas o Flamengo virou para 2 a 1 no segundo tempo com Caio e Rodrigo Mendes. Quando o título parecia certo, o Alviverde foi buscar um 3 a 2 que forçava um terceiro jogo de desempate. Mas foi aí que surgiu um herói improvável: Lê. O atacante cria da Gávea não vinha mais sendo relacionado no final da temporada, imaginava que seria emprestado e já havia doado suas camisas e materiais de jogo. Mas quando Romário foi dispensado, a sorte lhe sorriu.

Lê comemora o título em família no jornal "O Globo" do dia 22/11/99 — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

Aos 20 anos, Lê estava em um churrasco com amigos em Guadalupe, na Zona Norte do Rio de Janeiro, quando José Eduardo Chimello, supervisor na época, ligou para o jovem se reapresentar para jogar a reta final da Mercosul. Mal sabia ele que partiria dos seus pés o gol do título. Antes, ele marcou um sobre o Peñarol, na semifinal, e no primeiro jogo da decisão ficou no banco. No fim da segunda partida, o atacante entrou, tabelou com Reinaldo e calou o Parque Antárctica (veja no vídeo acima).

O papelão com Carlinhos

Flamengo demite o técnico Carlinhos apesar do título da Mercosul

A carreata do título pelas ruas do Rio de Janeiro, em um caminhão do Corpo de Bombeiros, não contou com a presença do técnico Carlinhos, o "Violino". Durante a campanha na Mercosul, a imprensa já anunciava que o Flamengo negociava o retorno de Paulo César Carpegiani, treinador campeão da Libertadores e do Mundial de Clubes no Rubro-Negro em 1981, visto como nome ideal para a "Era ISL". Nem mesmo o título internacional foi capaz de fazer a diretoria mudar de ideia.

Carlinhos se sentiu traído, só foi comunicado da decisão após a final, quando já se sabia da volta de Carpegiani. Ele recusou a oferta de virar diretor técnico e deixou o clube sem falar com a imprensa. O treinador das maiores conquistas rubro-negras, porém, não durou no cargo. Ao perder a Taça Guanabara para o Vasco, a diretoria cedeu à pressão da torcida e recontratou o "Violino", que ainda foi campeão carioca em 2000. Mas foi a Mercosul de 99 sua última grande sinfonia antes de falecer em 2015.

Fonte: https://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/noitada-pancadaria-7-a-0-heroi-improvavel-historias-do-ultimo-titulo-internacional-do-flamengo.ghtml

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