Tão logo Domènec Torrent foi confirmado no comando do Flamengo, O GLOBO correu para explicar como se pronuncia, afinal, o nome do novo técnico rubro-negro, que já havia ganhado diversas variações na boca do povo. O esforço da reportagem para detalhar os pormenores da língua catalã repercutiu na imprensa local. “Um exercício notável que nunca vimos em redações da capital espanhola”, diz uma coluna do jornal “El Nacional”.

Essa deferência ajuda a dimensionar a tensão entre Madri e Barcelona, da qual o esporte não escapa.

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A Catalunha, uma das comunidades autônomas mais ricas e culturalmente singulares do território espanhol, sofreu forte repressão da ditadura franquista, período em que o ensino da língua chegou a ser proibido nas escolas. Desde o fim do regime, em 1975, os catalães lutam para manter viva a identidade local. Esse esforço ganhou nova dimensão especialmente a partir de 2003, com a ascensão de uma coalização de esquerda no governo e a intensificação de movimentos pró-independência.

Os efeitos dessa cisão são percebidos inclusive no universo do futebol. Real Madrid e Barcelona, os clubes mais populares e poderosos do país, são frequentemente vistos como instrumentos, respectivamente, do poder dominante e da luta pela causa separatista. Em outubro do ano passado, o esporte esteve mais uma vez no centro desse embate, quando um clássico entre as equipes precisou ser adiado por falta de segurança nas ruas de Barcelona em meio à prisão de líderes independentistas.

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A cobertura da imprensa, é claro, não escapa desse embate. Em Madri, todas as atenções estão voltadas para o Real e seus craques. Da mesma forma, em Barcelona, o foco das coberturas é sempre em atletas e equipes de origem catalã.

O jornalista brasileiro Thiago Arantes — que desde 2013 mora e trabalha em Barcelona — relata que, em grandes eventos do futebol, é comum até que os profissionais de imprensa das duas regiões fiquem divididos nas áreas de entrevistas:

— Na Copa das Confederações, em 2013, os jornalistas catalães ficavam de um lado, e os espanhóis, do outro. Não apenas pelo idioma, mas porque os personagens interessados eram diferentes.

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Atentar-se a essa delicada questão pode ser um atalho para ganhar a simpatia do “novo Mister”, que arriscou um portunhol em sua entrevista de apresentação, nesta segunda-feira, no Ninho do Urubu. Embora Arantes duvide que Torrent se incomodaria caso fosse chamado de espanhol, ele acredita que “reconhecê-lo” como calatão seria uma demonstração de boa vontade dos brasileiros.

— Na apresentação, Neymar falou cinco palavras em catalão e, no outro dia, Barcelona estava absolutamente apaixonada por ele — conta Arantes. — Se você chamar o Torrent de espanhol, muito possivelmente ele não vai se incomodar. Mas a pessoa que o chamar de catalão vai ganhar pontos. Eles (catalães) valorizam o esforço das pessoas de reconhecerem a Catalunha e de reconhecerem os pontos culturais, inclusive o idioma.