Um Flamengo que pode reencontrar seu povo

A classificação do Flamengo para as finais da Copa do Brasil reacendeu as esperanças de fecharmos o ano com a balança positiva. Após as decepções com a Libertadores e com o começo do Brasileirão, chegamos a acusar 2017 como um ano perdido. Hoje, porém, a realidade é outra: temos grandes chances de levar as duas copas que disputamos e, como bons rubro-negros que somos, já até ensaiamos retomar o sonho pelo Brasileiro. Essa vida de altos e baixos é parte da realidade do Flamengo.

Se a parte desportiva nos traz motivos para comemorações, a diretoria também celebra o resgate financeiro. Como a arrecadação com a Libertadores foi bem abaixo do que fora previsto, qualquer nova entrada é comemorada como um alívio. Não que nossa situação financeira seja ruim, pois há tranquilidade em nossos balancetes. Mas sabemos dos compromissos desta diretoria em cumprir as metas traçadas, etapa importante do saneamento de nossas dívidas. E nada melhor que um final de Copa do Brasil no Maracanã para encher os cofres – e, quem sabe, de quebra ganhar os bônus pelo caneco.

Fazer caixa, por sinal, é um mantra no futebol moderno. Hoje, é impossível manter um bom elenco e ter uma boa estrutura sem diversificar e potencializar a arrecadação em todas as possíveis formas. Os que ignoram estas etapas, seja por má gestão ou por ainda viverem nas décadas passadas, acabam levando seus clubes a dois possíveis caminhos: endividamento e/ou enfraquecimento do time.

Felizmente, o Flamengo não é mais assim. Ainda carregando as péssimas heranças de outrora e sempre andando na linha tênue entre equilíbrio técnico e saúde financeira, somos obrigados a jogar como clube e gerir como empresa – uma empresa carregada de passionalidade. Isso justifica a fidelização de nossos torcedores, encarados também como clientes. Não somente apoiam, mas compram. Não somente gritam nas arquibancadas, mas pagam pelo ingresso. Não somente vestem a camisa, mas adquirem os três diferentes uniformes de jogo. Postura pouco romântica, é verdade. Mas indiscutivelmente necessária.

Enquanto nos aproximamos da final da Copa do Brasil, presenciamos um novoboomno programa de sócio-torcedor do Flamengo. Mais do que tudo, se trata de um fenômeno provocado por flamenguistas que não querem perder seu lugar na finalíssima, pagando ainda um preço bem mais em conta do que o praticado para o público em geral – se é que estes terão o acesso aos ingressos. O risco de que o Maracanã esteja tomado por sócios na final é gigante e real, e isso me traz uma dúvida: e a parcela mais pobre da torcida, maioria entre nós e maioria em nosso país e que muitas vezes levou esse clube nas costas, como fica? Como administrar o hiato entre justiça social e necessidade de arrecadação?

Este não é um tema fácil de ser debatido, porém tampouco devemos tratá-los com a facilidade que o fez Alexandre Kalil, ex-presidente do Galo. Dizer que “futebol não é para pobre” é reafirmar uma problemática que os próprios clubes criaram, competindo desenfreadamente e oferecendo contratos e bonificações muito acima do razoável. Essa afirmação cairia como uma bomba especialmente no Flamengo, que foi carregado pelosgeraldinospor décadas e que se tornou gigante através deles. Se não devemos deles esquecer-nos, podemos pleiteá-los com o mínimo de oportunidade.

Já existe uma discussão em certos clubes de futebol sobre como atender à essa parcela da torcida. A estes, não servem os descontos em bebidas e em camisas oficiais ou os acúmulos de pontos com compras em supermercados. Há uma parcela pobre da torcida do Flamengo que quer ver jogo, quer ir ao estádio e gritar enlouquecidamente durante os noventa minutos por aquilo que mais amam. Para estes, o Internacional discutiu a abertura de um plano de sócio-torcedor com mensalidade de dez reais, onde se mantem o mesmo montante para compra de ingressos. A conta é simples: dez reais por mês e dez reais para cada partida.

O Flamengo não poderia seguir o modelo e fazer algo do tipo? Claro que haveria uma limitação na quantidade de ingressos da modalidade por partida e, ainda, haveria de se ter um controle sobre renda mensal do torcedor. Já existem, porém, vários programas públicos e privados onde a comprovação de renda é requisito, e conosco isso não seria algo tão difícil de se estabelecer. Vale a pena fazer esse esforço para alcançar essa parcela da população, por uma sutil redução dos lucros. A problemática é que o futebol não deveria ser um privilégio somente dos que tem poderio financeiro para tal, e há maneiras de criar conciliações sem prejudicar fortemente nenhum dos lados. A opinião que vos manifesto é a de que é preferível abrir mão de uma pequena margem de lucro para ser realmente o clube popular que somos, também dentro dos estádios. Lembremo-nos: dinheiro é o meio e não o fim. Um meio importante, mas nunca o fim absoluto.

O futebol se tornou, de fato, um negócio. Mas não é meramente por isso que ele nasceu e ainda sobrevive. Tratemo-lo como tal, portanto: sendo agudos e inteligentes na potencialização de resultados, mas também acolhedores para com nossos torcedores – paratodosos nossos torcedores.

Rodrigo Coli

Twitter: @_rodrigocoli

Fonte: http://colunadoflamengo.com/2017/09/um-flamengo-que-pode-reencontrar-seu-povo/

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