Antes de mais nada, é preciso fazer duas ressalvas. A primeira, de que a perda de um jogador para a Europa jamais será uma notícia a celebrar, dada a sensação de impotência que reforça no futebol brasileiro. A outra, de que toda a trajetória de Pablo Marí, das circunstâncias de sua chegada ao Flamengo à negociação iminente para o Arsenal, constitui um roteiro de exceção. Com tudo isso, é possível enxergar na venda do zagueiro uma sinalização positiva para o futebol brasileiro. Como se uma nova frente pudesse se abrir.

As relações comerciais entre América do Sul e Europa têm características que se repetem. A exportação de jogadores para o Velho Continente vem tendo como protagonistas projetos de craques cada vez mais jovens produzidos do lado de cá do Atlântico. No sentido contrário, a importação é, predominantemente, de nomes experientes nos últimos anos de sua carreira. Pablo Marí não é nem uma coisa, nem outra.

Trata-se de um jogador que, aos 26 anos, ainda não obtivera a chancela, o selo de aprovação no alto nível competitivo da Europa. Antes de assinar com o Flamengo, defendera Mallorca, Gimnástic, Girona e La Coruña, passando quase todo o tempo entre a segunda e a terceira divisões da Espanha. Jogara também na primeira divisão da Holanda, pelo NAC Breda, 14º colocado no ano em que Mari vestiu a camisa do clube.

Não compunha o perfil habitual de jogador que um clube brasileiro busca, muito menos o perfil que um gigante europeu observa no mercado sul-americano. E aí pode estar a grande notícia. Foi através do desempenho no Flamengo, na liga brasileira, na Libertadores, que um clube de grande porte na Europa se convenceu estar diante de um potencial reforço. E não uma promessa para lapidar e adaptar às especificidades do futebol da Europa. Mas um jogador, em tese, pronto. No lugar de se provar na elite da Europa, Marí veio ao Brasil convencer a Europa de que poderia jogar lá. E mesmo aos 26 anos.

É claro que Marí vai desembarcar na Inglaterra ainda sob a justa desconfiança sobre o nível de competitividade do futebol sul-americano. Há um consenso de que a exigência e a intensidade por lá são maiores, afinal a elite europeia concentra o dinheiro e os principais jogadores do mundo. Ainda há motivos de sobra para enxergar América e Europa como mundos competitivos distintos.

Mas caso o espanhol vingue no Arsenal, um sinal positivo ao mercado pode ter sido enviado: um clube com potencial econômico elevado, projeto esportivo reconhecido como de excelência em 2019 e comissão técnica de boa reputação, deu segurança a um clube da Premier League de que valia a pena investir num destaque de 26 anos do Campeonato Brasileiro e da Libertadores.

É fato que, tais requisitos, ainda não parecem ao alcance de tantos clubes do país, o Flamengo de 2019 se descolou da realidade dos demais sul-americanos. É fato, ainda, que Marí foi observado também diante do Liverpool na final do Mundial do Qatar, algo que ajudou a convencer o Arsenal de sua capacidade. Ou, ainda, que o zagueiro já tinha sido pinçado pelo Manchester City, mas não conseguira se estabelecer no clube de Guardiola e terminou emprestado em três temporadas consecutivas. Há especificidades demais no episódio.

Mas, mesmo ponderando todas elas, a venda de Marí e um eventual sucesso dele no Arsenal podem se tornar um marco até de legitimação do futebol brasileiro e da Libertadores. Um argumento para convencer um novo perfil de jogador europeu de que vale se testar na liga brasileira. E também um sinal interno de que vale a pena se estruturar: clubes organizados e projetos esportivos de excelência atraem novas possibilidades de negócio.